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Joaquim de Carvalho

Colunista do 247, foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional, entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso (equipe, 1992), Vladimir Herzog e Jornalismo Social (revista Imprensa). E-mail: [email protected]

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Denúncia de Gonet contra Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo ignorou crimes previstos na Lei de Defesa do Estado Democrático

A acusação teve como base um crime menor, o de coação, com pena de 4 anos, mas, na avaliação de juristas, há provas de delitos que preveem até 20 anos de cadeia

Paulo Figueiredo e Eduardo Bolsonaro (Foto: Reprodução da rede social)

A denúncia apresentada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, contra Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o comentarista Paulo Figueiredo abriu um novo capítulo no debate jurídico sobre os ataques ao Estado Democrático de Direito. Acusados de coação no curso do processo — crime com pena de até quatro anos de reclusão —, os dois são apontados por renomados juristas como responsáveis por condutas ainda mais graves, previstas na Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, cujas penas podem chegar a 20 anos.

A polêmica se intensificou após declarações públicas de Eduardo Bolsonaro, nas quais sugeriu a possibilidade de intervenção militar estrangeira no Brasil.

“Se o regime brasileiro for consolidado e tiver uma evolução igual à da Venezuela, com eleições que não são nada transparentes, sem a ampla participação da oposição, regado a censura e prisões políticas, no Brasil pode perfeitamente no futuro ser necessária a vinda de caças F-35 e de navios de guerra, porque é o atual estágio da Venezuela”, disse o deputado federal.

Para o jurista Juarez Tavares, uma das maiores referências do direito penal brasileiro, mesmo que não houvesse tais manifestações, os dois poderiam ser enquadrados no crime previsto no artigo 359-I do Código Penal: atentado à soberania nacional. O dispositivo tipifica como crime “negociar com governo ou grupo estrangeiro, ou seus agentes, com o fim de provocar atos típicos de guerra contra o País ou invadi-lo”, com pena de três a oito anos de prisão.

Tavares lembra que, diante da nova realidade geopolítica, “atos típicos de guerra” não se restringem a invasões armadas.

“Hoje, com o controle digital da comunicação e das transações financeiras por parte dos países hegemônicos, nem será preciso invadir os países insubordinados, basta cortar-lhes o acesso a esses meios e, com isso, inviabilizar suas atividades. [...] Não precisa haver declaração de guerra. O parágrafo 1º prevê um aumento de pena se a guerra for declarada”, declarou.

Os juristas Lenio Streck e Fernando Fernandes também foram categóricos em apontar que a denúncia de Gonet deixou de lado tipos penais mais adequados. Streck defende que Eduardo Bolsonaro “já deveria ter sido denunciado pelo crime previsto na Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito”, reforçando a tese de Tavares ao destacar que medidas como bloqueio de internet, corte de crédito ou pressão internacional configuram agressão típica de guerra.

Fernando Fernandes, por sua vez, aponta a aplicação do artigo 359-L da mesma lei, que prevê pena de quatro a oito anos de reclusão para quem tentar abolir o Estado Democrático de Direito mediante grave ameaça ou violência, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais.

Dessa forma, somadas as imputações possíveis, Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo estariam sujeitos a penas muito superiores aos quatro anos previstos para o crime de coação no curso do processo, pelo qual foram formalmente denunciados.

Apesar das críticas, Paulo Gonet parece adotar outra estratégia: a responsabilização financeira dos acusados. O procurador-geral citou estudo da Universidade Federal de Minas Gerais que calculou em US$ 4,1 bilhões os prejuízos ao Brasil resultantes das tarifas impostas por Donald Trump — ato que, para juristas como Juarez Tavares, pode ser considerado “típico de guerra”.

Com base no artigo 387 do Código de Processo Penal, Gonet pede que o Supremo Tribunal Federal determine que os réus reparem o dano causado à população brasileira. A indenização seria bilionária, levando em conta prejuízos às empresas, perda de empregos e queda na arrecadação tributária.

Em entrevista ao portal 247, o jurista Marco Aurélio Carvalho avaliou: “Em tese, é claro que pode ter um impacto bilionário. Em tese, reafirmo, pode, sim, haver uma indenização bilionária. Isso é fato.”

Quanto à violação da Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, surgem algumas perguntas: 

Por que Gonet ignorou esses crimes? Ele estaria preparando uma segunda denúncia, específica para esses fatos? 

Caso contrário, o relator do caso no STF, ministro Alexandre de Moraes, poderia enquadrar os acusados a partir dos elementos já descritos no inquérito e na denúncia, medida legalmente prevista e conhecida como emendatio libelli.

O essencial, porém, é que a trama de Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo com um governo estrangeiro tenha resposta das instituições brasileiras à altura da gravidade dos danos causados.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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