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      Maria Luiza Falcão Silva

      PhD pela Heriot-Watt University, Escócia, Professora Aposentada da Universidade de Brasília e integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies, Ashgate, England.

      55 artigos

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      COP30: BRICS transformam guerra de Trump em alavanca climática na Amazônia

      Ao tentar isolar a Índia, Trump impulsiona uma frente climática e econômica liderada pelos BRICS contra o domínio do dólar e do Ocidente

      Porto de Outeiro, Belém, Pará (Foto: Rafael Neddermeyer / COP30)

      A três meses da COP30, em Belém, a guerra comercial de Donald Trump contra a Índia atingiu um novo ápice. Nesta terça-feira (5/8/2025), o presidente americano ameaçou elevar "substancialmente" as tarifas sobre produtos indianos — já sob taxa de 25% desde a última sexta-feira — em retaliação às compras de petróleo russo. "A Índia compra quantidades maciças de petróleo russo e depois revende no mercado livre com grandes lucros. Eles não se importam com as mortes na Ucrânia", disparou Trump em sua rede social Truth Social. A resposta de Nova Déli foi imediata e firme: "O ataque é injustificado. Tomaremos todas as medidas necessárias para salvaguardar nossos interesses nacionais".

      No centro da crise está o petróleo russo, cuja venda com descontos generosos — até 30% abaixo do Brent — tornou a Índia o maior comprador marítimo global, ao lado da China. Hoje, cerca de 1,75 milhão de barris diários abastecem refinarias indianas, o equivalente a 36% do consumo do país. Para o governo Modi, é uma questão de necessidade econômica: garantir energia acessível para 1,4 bilhão de pessoas e evitar uma disparada global no preço do barril, que poderia ultrapassar os US$ 130. Mas, para Trump, trata-se de uma brecha que pode ser explorada como instrumento de coerção geopolítica. Seu ultimato à Rússia expira nesta sexta-feira (8/8), e as tarifas sobre a Índia são peça-chave de sua tentativa de forçar Moscou a encerrar a guerra na Ucrânia.

      O governo indiano, no entanto, já se moveu. Mesmo com as refinarias estatais comprando milhões de barris de fornecedores alternativos, como EUA, Canadá e Oriente Médio, os contratos com a Rússia foram mantidos, e o recado de Nova Déli não poderia ser mais direto. “Por que a União Europeia comercializou 78 bilhões de euros com a Rússia em 2024, mas nos critica?”, questionou o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Randhir Jaiswal. Diante de um cenário de tarifas crescentes — hoje, 80% das exportações indianas para os EUA enfrentam algum tipo de barreira —, a Índia tem redirecionado suas cadeias para o Sudeste Asiático e o continente africano, onde o comércio intra-BRICS cresceu 28% apenas em 2025.

      É nesse contexto que a COP30, em Belém, assume centralidade inédita. A crise comercial acentuou o que já seria o eixo político do encontro: a Declaração do Rio, aprovada em julho pelos países do BRICS, exige que os países desenvolvidos mobilizem ao menos US$ 1,3 trilhão anuais até 2035 para financiar ações climáticas no Sul Global. O principal instrumento dessa pressão é o TFFF — Fundo Tropical para Florestas —, liderado pelo Brasil, com apoio direto da China, que pretende captar US$ 125 bilhões para pagar pela preservação dos grandes biomas tropicais do planeta. A inovação estrutural do TFFF está na possibilidade de que até 20% dos pagamentos sejam realizados em moedas locais, quebrando, na prática, o monopólio do dólar nas finanças climáticas. “É uma resposta direta às ameaças de Trump de congelar ativos ou expulsar países do sistema SWIFT”, explicou uma fonte diplomática do Itamaraty.

      A localização da COP30, em Belém, não é fortuita. O Brasil prepara-se para usar a Amazônia como vitrine, laboratório e trincheira. Primeiro, para escancarar a hipocrisia do Norte Global, que insiste em taxar produtos como café, suco de laranja ou carne bovina sob o pretexto de “padrões ambientais”, enquanto sonega, ano após ano, os US$ 300 bilhões prometidos em financiamento climático. Depois, para testar em solo amazônico um novo modelo global de compensação por preservação. Com monitoramento por satélite, validação em tempo real e independência cambial, o TFFF quer substituir os frágeis mercados de carbono que hoje são manipulados por intermediários e especuladores no Norte. A China, maior credora verde do planeta, já sinalizou apoio técnico e financeiro ao modelo brasileiro, enquanto o G77+China na ONU ecoa as demandas por um sistema mais justo e plural de governança ambiental.

      A China, embora ainda altamente emissora, consolidou-se como a maior investidora e financiadora de tecnologias verdes do planeta — o que a transforma, na prática, na maior credora verde de países do Sul Global. É ela quem oferece capital, painéis solares, baterias e linhas de crédito para que economias em desenvolvimento consigam reduzir suas emissões, muitas vezes sem depender do dólar ou de fundos prometidos e não entregues pelo Ocidente.

      A resistência dos países desenvolvidos, entretanto, continua firme. Estados Unidos e União Europeia insistem nos mecanismos de precificação e offsets como forma de manter sob seu controle o ritmo e o preço da transição ecológica. Mas os BRICS — agora com África do Sul, Egito, Etiópia, Irã e outros membros consolidados — formam um bloco cada vez mais articulado. O comércio entre eles saltou 31,5% na Nigéria e 28% na Índia apenas neste ano. E o próprio fundo florestal, pensado originalmente como instrumento de preservação, transformou-se em ponta de lança do movimento global de desdolarização.

      Ironicamente, as tarifas de Trump consolidaram o que ele mais temia: uma aliança econômica e climática entre os países emergentes, que encontram no inimigo comum a motivação para estruturar soluções conjuntas. Como resumiu um diplomata indiano em Brasília: “Trump nos deu o que a diplomacia não conseguiu: um inimigo comum e 90 dias para reinventar o jogo climático global”.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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