Congresso versus povo
Trata-se de um Congresso que representa os interesses da elite e, além de promover projetos contra o povo, quer aumentar as verbas secretas em benefício próprio
Se pensarmos na matemática da indignação, ela é sempre cândida. Por exemplo, quando dizem: “se todo o dinheiro gasto com corrupção fosse aplicado para o bem do país, como em educação, saúde etc”. É preciso ter em mente que essa simetria não existe. A tragédia do voo da Air France 447, cujos destroços levaram dois anos para serem encontrados no oceano, exigiu cálculos matemáticos. Uma análise estatística baseada no cálculo bayesiano foi utilizada para localizar a caixa preta e os destroços. O ponto principal desse método é combinar novas evidências com informações prévias, aplicando a regra de Bayes. Mas nenhum cálculo pode salvar este Congresso conservador na sua luta contra o povo.
Mesmo que a simetria seja ilusória, ela é frequentemente invocada para simplificações. A retórica usada pelo Congresso, com apoio de parte da imprensa, insiste que “não existe nós contra eles”. Porém, ignora que a defesa dos mais ricos se tornou evidente para a população, que já deu seu recado: 85% dos brasileiros afirmam não confiar neste Congresso, segundo pesquisas. Enquanto o governo tenta preservar programas sociais, busca isentar quem ganha até cinco mil reais de pagar imposto e aumentar a renda média em 11% acima da inflação, o Congresso age para barrar a taxação dos mais ricos, ampliar o número de deputados e manter emendas secretas, entre outros abusos.
Trata-se de um Congresso que representa os interesses da elite e, além de promover projetos contra o povo, quer aumentar o volume de verbas secretas em benefício próprio — especialmente com a proximidade das eleições. Um dos casos mais emblemáticos é o do deputado Júnior Mano (PSB-CE), alvo de busca e apreensão da Polícia Federal por suspeita de fraude e desvio de dinheiro público oriundo dessas emendas secretas. Já foi até expulso do PL. Para alguém ser expulso do PL, o caso é realmente grave. Diante desse quadro, o ministro Flávio Dino tem defendido a regulamentação e a transparência sobre o destino dessas verbas.
O mesmo Congresso que deveria dar exemplo em corte de gastos é, hoje, o segundo mais caro do mundo em termos absolutos — atrás apenas dos Estados Unidos. Cada um dos 513 deputados brasileiros custa mais de 7 milhões de dólares por ano. Os deputados bolsonaristas que propõem aumentar o número de cadeiras na Câmara esquecem que até Jair Bolsonaro chegou a defender a redução para 400 deputados. Mesmo com o argumento da proporcionalidade populacional, essa tese não se sustenta: o Reino Unido, com 66 milhões de habitantes, tem 1.440 parlamentares entre a Câmara dos Comuns e a Casa dos Lordes, o que indica uma dinâmica institucional muito diferente da brasileira.
Apesar de 68% dos deputados terem aprovado Hugo Motta para conduzir a presidência da Casa e travar projetos sociais, ele é rejeitado por 80% da população. Essa rejeição pode ter efeitos práticos na eleição do próximo ano. A votação sobre a isenção do Imposto de Renda, o fim da escala 6x1 e a taxação dos mais ricos será adiada para depois do recesso parlamentar, numa tentativa de esfriar a indignação popular.
O desgaste entre o povo e o Congresso não é recente. Mas os sucessivos bloqueios de pautas sociais e manchetes como a que revela que Arthur Lira gastou mais de R$ 80 mil em diárias e passagens para participar de um evento privado em Nova York agravam o cenário. Não se tratava de evento público ou de interesse nacional. E isso não é uma exceção. Para os parlamentares, gastos milionários são permitidos. Já quando o assunto é o Brasil, sempre dizem que é preciso cortar despesas. Para o Congresso, a indignação popular é sempre exagerada.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com [email protected].
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: