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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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Condenação do núcleo 4 é a história passada a limpo

'O núcleo da desinformação se incumbia da tecitura da trama golpista e fazia uma inversão total do que é mais caro entre os militares: a hierarquia'

Ministros do STF (Foto: Gustavo Moreno/STF)

O núcleo 4 da ação golpista que pretendia perpetuar Bolsonaro no poder está para o golpe de 2022, assim como o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (Ipês) esteve para o golpe de 1964. Foi o núcleo da conspiração, que deu sustentação – em 1964, à boataria disseminada por programas de TVs, filmes de propaganda política e mídia de modo geral, além do grupo feminino (CAMDE), que difundia as orientações pelas comunidades carentes onde prestavam serviço voluntário em ações sociais.

No caso do Núcleo 4, eram responsáveis por acolher as teorias e novidades emanadas de Carlos Bolsonaro, o próprio Bolsonaro e Walter Braga Netto, e fazer “viralizar” a partir das redes, não só para o grande público que neles botava fé, como também para as fileiras subalternas das Forças Armadas, além do grupo que denominavam “bando de malucos”, robôs cooptados pela lenga-lenga da ultradireita.

Enquanto os mandantes traçavam a estratégia da execução em si, e como se calçarem para não serem pegos, o núcleo da desinformação se incumbia da tecitura da trama golpista, uma rede que se ampliava, à medida que convenciam os seus pares, os cidadãos comuns e, por fim, na pressão, com cartas e uma campanha difamatória, os seus superiores, numa inversão total do que é mais caro entre os militares: a hierarquia.

Desse modo chegavam aos rincões, da mesma maneira que os filmes de curta-metragem do Ipês foram levados em caminhões cedidos pela Anfavea, munidos de equipamentos de projeção de filmes doados pela Mesbla, o grande magazine da época, que comercializava esses produtos mais sofisticados.

Assim, quem acompanhou o julgamento de ontem, que teve início às 9h, com intervalo de 13 às 14h quando foi retomado, para encerrar apenas às 20h, com a condenação de sete réus, pôde entender e mergulhar na trama golpista, preparada com requinte e sofisticação tecnológica de ponta.

Enquanto em 1964 o grupo de mega-empresários que incluía a empresa de Petróleo União, a Companhia Docas, a Lista Telefônica Brasileira e outros, além de uma enfieira de pessoas físicas tiveram a decência de manter no Edifício Avenida Central, no coração do Rio, salas à disposição do funcionamento da conspiração. Ali nasceu o embrião do SNI. Desta vez, como muito bem colocou a ministra Carmem Lúcia, o grupo mequetrefe usou e abusou das dependências públicas onde atuavam como funcionários. Foi assim que conspurcaram a Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, o próprio Palácio do Planalto, onde imprimiram seis cópias da operação Copa 22 e o funesto plano do Punhal Verde e Amarelo, que incluía a ação de assassinato do presidente eleito. Matariam, sem pudor, Luiz Inácio Lula da Silva, seu vice Geraldo Alckmin e o ministro relator do julgamento, no STF, Alexandre de Moraes.

Usaram e se lambuzaram do poder e dos espaços públicos que deveriam servir aos cidadãos brasileiros, a ponto de filmarem uma reunião pró golpe, que ganhou caráter de reunião ministerial, em junho de 2022.

Foi uma oportunidade única ver a ministra Carmem Lúcia, deitando erudição sobre o país, com elaborações sofisticadas no seu voto, demonstrando – não, desenhando -, o que ligava o grupo da desinformação ao núcleo central, já condenado no dia 11 de setembro (cujo acórdão foi publicado ontem 21/10, restando apenas o prazo para recursos).

E, finalmente, a cereja do bolo. O voto de condenação ao engenheiro Carlos Rocha, diretor do Instituto Voto Legal, que veio acompanhado da citação de alguém que estava faltoso naquele Nuremberg: o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto. Ele havia escapado até aqui, das garras da Lei, mas agora, finalmente e justamente, é chamado a prestar contas da sua atitude golpista, quando ao arrepio da Lei contestou parte das urnas que haviam elegido Lula, no Superior Tribunal Eleitoral.

Fim de linha, Valdemar. É bola ou búlica. Não tinha mesmo - como cobrei no Brasil Agora do dia 15/10 -, coerência em prender o técnico incumbido do relatório com resultado dirigido, deixando livre o autor da manipulação, que o encomendou, livre de responsabilidades. A história passada a limpo. Finalmente.


* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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