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      Maria Luiza Franco Busse

      Jornalista há 47 anos e Semiologa. Professora Universitária aposentada. Graduada em História, Mestre e Doutora em Semiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com dissertação sobre texto jornalístico e tese sobre a China. Pós-doutora em Comunicação e Cultura, também pela UFRJ,com trabalho sobre comunicação e política na China

      73 artigos

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      Carta a meu neto

      Bloqueios, soberanias e histórias para os netos: entre o tarifaço dos EUA e a lembrança da Revolução dos Cravos, um chamado à resistência e à memória

      Lula (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

      Neste mês de agosto o Brasil entrou no grupo dos ‘Retaliados Políticos e Sancionados Econômicos’ com a tarifa de 50% imposta pelo Estados Unidos aos produtos brasileiros de exportação. Trocando em miúdos, o nome dessa prática é Bloqueio, medida há muito aplicada contra Cuba e Venezuela, a primeira em curso há 63 anos e a segunda desde 2015, quando o presidente democrata Barack Obama entrou de sola na causa de botar de joelhos mais um país caribenho por considerar a democracia popular bolivariana "ameaça incomum e extraordinária à segurança nacional dos Estados Unidos". Mas Cuba e Venezuela mantiveram sua soberania de pé, apesar do Bloqueio.

      Agora é o Brasil que experimenta uma das versões radicais das decisões econômicas que são ações políticas planejadas para manter a ordem geopolítica manejada pelo país hegemônico, no caso o Estados Unidos que há 80 anos vem ocupando o lugar de ditador das normas e valores internacionais. Mas não é de hoje que o Brasil é atacado pelas extraterritorialidades estadunidenses. O país ainda segue pagando os prejuízos causados pela Operação Lava-jato, pelo Domínio do fato e pelo Lawfare. Só que, dessa vez, no meio do caminho está o BRICS, acrônimo dos países fundadores da construção do mundo multipolar colaborativo no qual o ‘S’ da África do Sul também pode ganhar o significado de Soberania. 

      Soberania, palavra doce na boca de quem ama, e falando de amor acaba de ser lançado em Portugal ‘O Dia mais feliz _ o 25 de Abril contado aos netos da Revolução’, livro em que avós e avôs contam aos netos e netas o que representou para cada um a revolução que botou fim aos 48 anos da ditadura que submeteu o povo à miséria material e imaterial, e acendeu o sentimento de amor próprio e orgulho de ser parte de uma nação dona do seu destino. 

      ‘O Dia mais feliz...’ nasceu da proposta lançado aos avós pela Associação de Pais e Encarregados de Educação da escola básica Sampaio Garrido para marcar os 50 anos da Revolução dos Cravos. “Percebemos que tínhamos ali vivências valiosas, muito díspares das pessoas que viviam em Lisboa, em aldeias no interior do país, e alguns que estavam deslocados na guerra”, diz Suzana Ribeiro, presidente da Associação da instituição de ensino público e gratuito. 

      O livro de 104 páginas e 52 cartas ilustradas pelos pais e responsáveis foi publicado com apoio do Programa Memórias de Lisboa, do setor de Cultura da Câmara local. Todas têm em comum o começo com manifestação de ternura nas palavras “querida e querido”. “Querida netas, hoje vou contar-vos um pouco da História de Portugal. Antes do 25 de Abril, Portugal era um país triste(...).”; “Querida neta, antes do 25 de Abril de 1974, era tudo muito mau, não havia condições nem nas habitações. Não tínhamos luz, nem casas de banho(...).”; “Queridas netas, contagiados por uma alucinação coletiva repetimos as frases que gritavam à nossa volta ‘Fascismo nunca mais’, ‘Viva a Liberdade’, ‘Abaixo a guerra colonial’, ‘Viva o MFA’(...).”.

      Anos antes da ideia do livro, uma avó publicou em um site português “Carta aos meus netos no 25 de Abril. Foi em 2012.

      “Filhotes, hoje vou contar-vos uma história, mas das verdadeiras, como vocês costumam pedir. Como todas as histórias, tem muitos lados por onde pode ser vista e contada, como o caleidoscópio de que João gosta tanto. A minha forma de a ver é marcada pelo fato de, apesar de tudo, o 25 de Abril ser ainda hoje o dia mais importante da minha vida, depois do dia em que vosso pai nasceu. 

      “Estou a ver vossas carinhas escandalizadas a perguntar:

      - Mais importante do que o dia em que nós nascemos, vó?

      - Sim e não, passo a explicar. A decisão do vosso nascimento não dependeu de mim, dependeu de vossos país, mas o desejo de mudar um país tinha raízes no meu coração desde o tempo em que tinha a idade do João, e, de uma forma mais esclarecida, a idade da Gi. Esse desejo era de muita gente, novos e velhos, trabalhadores da terra e das fábricas, professores e alunos. (...). Daqui a cinco anos a Gi já pode votar, por isso vocês têm que ir aprendendo o que é isso de ‘democracia’ e como se constrói uma cada vez melhor. (...). Beijo, Vó.”. 

      Netos e netas provocam tal produção de endorfina que são capazes de inspirar sentimento de renovação da espécie em direção a um mundo melhor. É o estado de ‘avocidade’ que não se explica, apenas se vive.  Em recente manifestação popular na Europa contra o genocídio praticado por Israel sobre o povo palestino, um cartaz exibia “O seu silêncio será estudado pelos seus netos”. Em 2014, no Brasil, o vice-almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, então presidente da Eletronuclear, cientista de renome e reconhecimento internacionais, criador do genuíno programa nuclear que garantia ao país a independência energética no setor, foi acusado de corrupção sem provas pela Operação Lava-jato, condenado a 43 anos de prisão em regime fechado e cumpriu 601 dias de cadeia. Agora, aos 86 anos, Othon segue firme na esperança de ver o Brasil realizar grandes projetos voltados para o desenvolvimento nacional e de viver para mostrar aos netos que não tem culpa em nenhuma acusação atribuída a ele.

      Em 2019, o hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva que enfrenta o bloqueio com soberania, era condenado por corrupção sem provas a 12 anos e 11 meses também pela Operação Lava-jato. Naquele mesmo ano, Lula deixou as dependências da Policia Federal, em Curitiba, onde estava recolhido, para se despedir do neto falecido aos sete anos de idade. No velório, Lula prometeu ao pequenino: "Vou provar minha inocência e quando eu for para o céu vou levar meu diploma de inocente. Vou provar quem é ladrão neste País e quem não é. Quem me condenou não pode olhar nos olhos dos netos como eu olhava para você.”.

      Avós e netos/as. Relação que atravessa o contínuo da história sem medo do ridículo. Um lugar “onde é que há gente no mundo”, respondendo à pergunta do lisboeta-alfacinha Fernando Pessoa que em seu ‘Poema em Linha Reta’ sai à procura de humanidade porque já farto de semideuses. 

      NR: o livro ‘O Dia mais feliz _ o 25 de Abril contado aos netos da Revolução’ pode ser encomendado pelo e-mail cartasdos[email protected]

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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