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Marcia Carmo

Jornalista e correspondente do Brasil 247 na Argentina. Mestra em Estudos Latino-Americanos (Unsam, de Buenos Aires), autora do livro ‘América do Sul’ (editora DBA).

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Bolívia: os motivos da derrota da esquerda nas urnas

A implosão atual do MAS, as disputas internas e públicas acabaram abrindo as portas para a oposição no país vizinho

Luis Arce e Evo Morales (Foto: AGUSTÍN MARCARIÁN/REUTERS)

Os candidatos da esquerda boliviana não participarão do segundo turno da eleição presidencial na Bolívia, no dia 19 de outubro. Foi o que o eleitorado do país decidiu no primeiro turno do pleito, realizado no domingo (17). A guinada da Bolívia à direita era esperada. A surpresa foi a maior votação no presidenciável Rodrigo Paz Pereira, do Partido Democrata Cristão (PDC), que é filho do ex-presidente Jaime Paz Zamora (1989-1993). O candidato, de 57 anos, estudou economia, relações internacionais e gestão política, segundo seu currículo. Nasceu na Espanha, quando o pai foi obrigado a partir para o exílio durante a ditadura militar. Ex-deputado, chegou ao Senado em uma aliança com o ex-presidente Carlos Mesa, opositor de Evo Morales. Paz, que se define como de “centro”, recebeu 32% dos votos e disputará o segundo turno com o ex-presidente de direita Jorge ‘Tuto’ Quiroga, da Aliança Livre, velho conhecido dos bolivianos e que contou com 26,8% da votação. Enquanto Paz defende o que chama de “um capitalismo para todos”, e sem pedir crédito internacional, Tuto anunciou que, caso eleito, realizará ajustes e pedirá socorro financeiro ao Fundo Monetário Internacional (FMI).

Os dois estão agora no foco das atenções dos bolivianos, enquanto o Movimento ao Socialismo (MAS), fragmentado e ferido, lamenta sua derrota. Como observou o ex-vice-presidente de Evo Morales, o intelectual de esquerda Álvaro García Linera, a Bolívia demorou mais de 30 anos para chegar a construir o MAS, que no domingo perdeu nas urnas pela primeira vez em 20 anos. García Linera não fala com Evo há mais de um ano. Em entrevistas, ele o criticou e também responsabilizou o atual presidente Luis Arce pela derrota do MAS nas urnas. “Não quero falar com Evo porque me decepcionou essa atitude dele pouco estratégica, pouco generosa com as pessoas, muito centrada nele mesmo. Ele não entende o papel histórico que representa e olha o mundo a partir dele mesmo”, disse Linera. Para ele, porém, foi “injusto” o impedimento da candidatura de Evo nesta eleição. O ex-vice-presidente é um dos maiores conhecedores da Bolívia, de Evo e de Arce. Conversar com ele é uma oportunidade para entender, com sua voz tranquila, o país andino e os desafios da América Latina como um todo. O triunvirato – Evo, Arce e Linera – foi fundamental para a chegada do MAS ao histórico Palácio Presidencial Queimado, em La Paz. Evo era presidente (2006-2019) e Arce, seu fiel ministro da Economia. Em entrevistas à imprensa internacional, Linera disse que Arce foi uma das principais travas para impedir a possibilidade da candidatura de Evo. E que Evo, por sua vez, reagiu fazendo “uma guerra econômica” que piorou a queda da economia, dificultando o acesso a créditos necessários para a compra de combustíveis para o país.

A Bolívia vive há quase dois anos uma crise econômica severa, com falta de combustíveis que provoca filas gigantescas nos postos de gasolina, escassez de alguns alimentos e inflação de 25% — o índice de alimentos nos últimos 12 meses chega a 31%. A briga pública entre Evo e Arce gerou cansaço no eleitorado, que não percebia soluções para sua vida cotidiana. Nos 20 anos de gestão do MAS, os bolivianos viram a queda nos índices de pobreza, o aumento da igualdade social, da escolaridade e da valorização de sua imensa população indígena. O orgulho era tal de suas próprias raízes que, pela primeira vez na história, no auge do governo Evo, 80% dos bolivianos declararam ser indígenas, o que antes era negado. Mas a retração na produção de gás natural, principal pilar dos recursos econômicos do país, que provocou a menor exportação do produto para o Brasil e para a Argentina, complicou a matemática oficial e a continuidade da inclusão social no país vizinho.

A guerra política declarada entre os dois políticos centrais do MAS – Evo e Arce – levou a esquerda a apresentar candidatos diferentes na eleição presidencial. Aliado de Arce e seu ex-ministro, o ex-candidato Eduardo del Castillo, de 36 anos, recebeu apenas 3,2% dos votos. Ele culpou Evo, dizendo que os bloqueios de estradas liderados pelo indígena agravaram a crise econômica. O presidenciável da esquerda que parecia ter melhores chances nas urnas, Andrónico Rodríguez, de 36 anos, presidente do Senado, contou com 8,2% dos votos. No passado recente, dizia-se que ele seria o “herdeiro político de Evo”. Mas os dois também já não se falam, segundo a imprensa local. A implosão atual do MAS, as disputas internas e públicas acabaram abrindo as portas para a oposição no país vizinho.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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