Avanço das ORCRIMs para pequenas e médias cidades
O que se observa é uma atualização do mandonismo armado e da economia criminosa, financeirizada, conectada e institucionalizada
O avanço das facções para cidades médias e pequenas não nasce de um vazio de poder, mas da reconfiguração política e territorial da economia criminosa, que busca novos arranjos ou monopólios com menor custo político e operacional.
Essa expansão segue a trilha histórica de territorialização do jogo do bicho, no Rio de Janeiro, por exemplo. Esta territorialização estruturou as alianças entre contravenção, elites locais e Estado, revelando as relações entre crime-negócio e crime-política como um sistema de poder econômico e de mediação social.
O que se observa é uma atualização do mandonismo armado e da economia criminosa, financeirizada, conectada e institucionalizada desde as margens do Estado, operando sob formas híbridas de governança criminal e política.
Nas cidades do interior, o crime, em reorganização continuada, encontra vantagens logísticas e políticas que tornam esses territórios estratégicos: mercados ideais para lavagem de dinheiro, controle eleitoral de baixo custo e redes de proteção fisiológicas e familiares que oferecem blindagem institucional. São municípios muitas vezes localizados em zonas de fronteira, circunscritos por florestas e biomas complexos, cortados por rodovias ou próximos a portos, com infraestruturas precárias de fiscalização e segurança, facilmente capturadas por alianças locais.
Além disso, são localidades fortemente dependentes de transferências federais e emendas parlamentares, o que facilita a infiltração de recursos ilícitos, como caixa dois de campanha, e o financiamento cruzado entre economia criminosa e poder público. Assim, a governança criminosa se combina à governança orçamentária, produzindo uma economia política da violência que articula poder econômico, influência eleitoral e regulação territorial sob o mesmo mando político-criminal.
As políticas de segurança, estruturadas sob uma lógica reativa, militarizada e espetacularizada, seguem priorizando capitais e regiões metropolitanas, onde o retorno midiático e eleitoral é maior. Esse modelo não alcança a complexidade dos arranjos locais e reforça a invisibilidade dos circuitos políticos e financeiros que sustentam a economia criminosa no interior.
As facções não invadem o interior — elas o incorporam, apropriando-se das redes de poder já edificadas por grupos criminais tradicionais das localidades e pelos intermediários políticos locais, adaptando-as a uma lógica empresarial e logística do crime-negócio, com lastro estatal em rede.
O que se observa, portanto, não é uma interiorização do crime, mas a interiorização da governança criminosa — um processo coproduzido por elites políticas, econômicas e criminais, que combina economia ilegal, capital político e regulação armada em novas escalas territoriais. Essa expansão não é mecânica nem inevitável, mas expressa a plasticidade de um mesmo sistema de poder, que usa o território como ativo político e econômico, a produção de ameaças e seu enraizamento comunitário pelas práticas publicitárias do uso do terror e, por sua vez, a violência como instrumento de regulação social.
O interior do país torna-se, assim, laboratório da aliança entre Estado, política e crime, onde se experimentam e consolidam reorientações das formas de mando e de gestão do ilícito institucionalizado.
Isto, em parte, ajuda a compreender por que ORCRIMs como o Comando Vermelho, com seus arranjos político-criminais, se assemelham a uma massa podre e tóxica que fermenta politicamente, crescem e se expandem Brasil afora, apesar de 40 anos de pancadas ininterruptas recebidas das ações repressivas das polícias fluminenses.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.



