Apocalipse nos trópicos: “Demônios evangélicos” estão ganhando almas para o Dominionismo
"Jesus" passou a ser um título dado pelo neopentecostalismo ao candidato que se compromete com o seu projeto de poder
A nociva influência de Silas Malafaia e da igreja evangélica neopentecostal na política brasileira, pode ser resumido num trecho do documentário "Apocalipse dos Trópicos", da cineasta Petra Costa, onde Bolsonaro condiciona a indicação do novo ministro do STF à sua fé terrivelmente evangélica, e o empresário da fé explica como fez os Senadores aprovarem a indicação do pastor André Mendonça para o cargo. Chantagens, ameaças de exposição, e a imposição do domínio religioso como forma de persuasão, esses são apenas alguns dos métodos que Malafaia, um dos "ungidos do senhor" para estabelecerem o "governo de Jesus" no Brasil, admite ter usado para colocar o ministro da teologia do domínio no Supremo.
Ao que tudo indica, "Jesus" é um título dado pelo segmento religioso mais pernóstico do país, ao candidato à presidência que se comprometa com o seu projeto de poder. Um projeto que oferece a salvação eterna aos ricos e poderosos, e condena ao fogo eterno os grupos minoritários do país. Se no dito popular os bêbados costumam chamar "Jesus de Genésio", muitos evangélicos, embriagados pelo cálice da alienação fundamentalista e movido ao santo ódio a tudo e todos que se opõem ao seu projeto de dominação, já chamaram Jesus de Bolsonaro e lhe entregaram a salvação de suas vidas e almas. Isso fica evidenciado em outro trecho do documentário quando uma senhora evangélica revela que deixaria de votar em Lula, mesmo sabendo que ele tinha melhores propostas do que Bolsonaro, porque ficou sabendo que ele era do Candomblé.
Lula já se declarou católico, mas ainda que ele pertencesse a qualquer outra religião, ou a nenhuma, sua profissão de fé não deveria ser considerada o principal requisito para que ele ocupasse o cargo de presidente da república. Porém, a induzida eleitora exibe uma postagem onde ele estava recebendo a bênção da espada de Xangô, dizendo que aquele momento feriu a sua fé religiosa, e que os evangélicos não podem votar em políticos que pertençam a outros credos. Mais alvo do que a neve, só a certeza que o direcionamento do pastor de sua igreja, instrumento da teologia do domínio, determinou o seu voto. E caso ela insistisse em basear a sua escolha pelas melhores propostas que Lula apresentava, seria exposta diante da igreja como uma pecadora que traiu o projeto de Deus e que se deixou seduzir pelas promessas do diabo. Bem do jeito que Silas Malafaia ameaçou os Senadores e os convenceu, segundo ele, a aceitarem a indicação de André Mendonça ao STF.
O projeto de poder neopentecostal é a décima primeira praga do Egito a cair sobre o Brasil, e Malafaia pode ser lido no documentário como uma versão fascista de Moisés (Se isso não soar como pleonasmo), que negocia com Faraó (O Estado Laico), a libertação do seu povo, ao mesmo tempo em que impõe a escravização e a submissão do mesmo Estado ao domínio evangélico. Sem dúvida alguma, isso enseja o início de um apocalipse na nossa sociedade. Tanto no sentido etimológico grego do termo, que significa revelação ou descoberta do verdadeiro plano por trás do processo de evangelização presente em todas as áreas da sociedade, como no sentido religioso de um fim de mundo, onde a democracia e as liberdades individuais seriam tratadas como bestas apocalípticas que ameaçam o cumprimento da vontade de Deus.
Os ataques as Universidades, e a tentativa de demonizar a educação sob a ideia de um combate ao marxismo cultural inimigo da fé evangélica e dos valores morais e cristãos, é uma das estratégias utilizadas por Malafaia e por outros líderes do segmento, para “alertar” os fiéis com relação a um suposto controle do pensamento através do politicamente correto, o que os obrigam a respeitar as diferenças mesmo que elas atentassem contra as suas crenças fundamentalistas. Como, por exemplo, aceitar a orientação sexual ou a liberdade de culto religioso de outras pessoas, os impedindo de atacá-las e condená-las sob a defesa da “palavra de Deus”. O que deveria ser uma demonstração de civilidade e respeito à existência do outro, é apresentado como uma espécie de prevaricação jurídico religiosa, com consequências para quem não adotasse tal comportamento opositor à evolução civilizatória.
Quando Michelle Bolsonaro sobe ao palanque do bolsonarismo e conclama o gado a uma guerra espiritual do bem contra o mal, ela está seguindo as recomendações dos grandes cabeças do projeto dominionista, que durante os cultos que ministram em seus templos estão sempre convocando os fiéis, sobretudo, os mais jovens, a serem uma geração que vai transformar o mundo pela revelação do entendimento do evangelho, pela defesa da família tradicional e pela preservação dos valores morais, agindo em todas as áreas e setores da sociedade. A onda de “avivamento evangélico” em curso nas escolas e universidades do país, incluindo instituições públicas de ensino, ilustra com bastante robustez a forma como essa guerra vem sendo promovida.
Cada batalha dessa guerra será vencida à medida que mais representantes evangélicos são eleitos para cargos públicos, principalmente nos parlamentos, onde podem legislar sobre causas que favoreçam política e socialmente a expansão de tal projeto de poder e dominação. Agir na ausência e na negligência do Estado no cumprimento de suas obrigações constitucionais com os cidadãos, é outra arma muito bem empregada nesta guerra que visa estabelecer um governo teocrático no país. E nas regiões periféricas o alvo fica mais fácil de ser abatido, digo, convertido. O próprio Lula cita essa questão em outro trecho do documentário, quando ele diz que “Jesus” é apresentado nessas áreas como a solução para quem está desempregado ou doente, por exemplo. Se o Estado não fomenta políticas de geração de emprego e de saúde pública, a igreja abraça essas pessoas e lhes dá uma assistência espiritual que promete aliviar a sua dor, e a sensação de pertencimento a um reino que o acolhe e lhe dá importância. O “Jesus te ama” é simbólico, sintomático e alienador, se levarmos em conta que o Jesus do projeto de poder evangélico, apesar de ter várias faces, mantém o mesmo discurso.
Sob um roteiro bem elaborado, que dá o recado de forma sintetizada, mas evidenciando o principal objetivo da guerra estabelecida, e uma edição simples mas bem funcional e dinâmica, “Apocalipse nos Trópicos” nos mostra o quanto o imperialismo sob a versatilidade religiosa evangélica, reluta para não ruir e manter o capitalismo como o balizador das nossas relações sociais, se utilizando da fé e da ignorância política dos mais pobres como armas de combate para manutenção e conquista de novos territórios. Um falso projeto de salvação que é mais facilmente absorvido por mentes histórica e psicologicamente afetadas pela exclusão e pelo abandono social, mas que sempre esteve presente, como uma carta na manga, no discurso hipócrita de uma elite dominante que mal sabe rezar o pai-nosso de cor, mas sabe que o nome de Deus evocado nos momentos politicamente mais difíceis, tem o poder de manipular e dar votos a quem ele nunca escolheria como seu representante na terra.
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