Apocalipse nos Trópicos
Documentário de Petra Costa expõe a influência das igrejas neopentecostais no avanço da extrema direita e no projeto político de Jair Bolsonaro
Assisti ao excelente documentário de Petra Costa, Apocalipse nos Trópicos, e confirmei minhas suspeitas sobre o papel das religiões neopentecostais como responsáveis pelo avanço da direita no Brasil — avanço, sobretudo, entre os pobres. O livro Pobre de Direita, de Jessé Souza, já aprofunda bastante esse tema. É revelador ler as entrevistas do livro de Jessé ou ver o depoimento das pessoas no filme de Petra. O próprio Lula confessa o fracasso das esquerdas nessa luta pela conquista do voto evangélico.
O que as igrejas fizeram, influenciadas pelo fenômeno Billy Graham nos EUA, foi justamente “iludir” seus fiéis com promessas de riqueza e glória sem muito esforço — apenas aceitar Jesus. Graham foi um pastor que se voltou para as populações mais pobres nos anos 1960, principalmente. Esteve no Brasil e foi saudado num Maracanã lotado por pessoas que agitavam a bandeira dos EUA. Vimos muito essa cena depois.
A Igreja Católica justifica a pobreza com o pecado e pune com penitências. Os partidos de esquerda te recebem, mas exigem de você, muito justamente, trabalho e sacrifício, além de uma solidariedade e empatia cada vez mais difíceis de se encontrar hoje em dia. Como sabemos, é mais fácil que cada um lute por si do que se junte ao próximo para tentar aumentar a força de transformação. Um vizinho é um concorrente em potencial pela conquista desse lugar no paraíso. Melhor fechar essa janela de comunicação. Se você for escolhido pelo Senhor, é privilégio seu, conquista sua, que não pode ser confundida com conquistas coletivas.
As entrevistas com o bispo Malafaia, personagem central do documentário, mostram esse novo tipo de religioso que, de espírito cristão, não tem nada: nem amor, nem doçura, nem compreensão. Pelo contrário, Malafaia surge como uma pessoa que encontramos na esquina, que destila toda a sua indignação e falsa franqueza para justificar sua doutrina. Sua riqueza desproporcional não é contestada pelos fiéis, e ele até debocha do valor dado ao seu jatinho. Sua casa é rica, mas de gosto duvidoso, e sua atitude é típica daquele cafajeste que encontramos nos botequins da vida: fala palavrões e atua como qualquer um — uma coisa bem de quem se acha acima de qualquer suspeita e acima de qualquer avaliação. Ele é quase um deus por aqui e, se não é, foi o escolhido.
Cabe às esquerdas e ao governo buscar uma aproximação maior com esses fiéis eleitores, não para cair nas mentiras que a direita diz, mas para mostrar o quanto pode ser feito, de fato, para melhorar a vida de todos — sem cair no jogo da ilusão, que é capaz de arrebanhar, mas nunca de resolver. A igreja tem que voltar a ser um apoio espiritual. Ela, na sua maioria, se aproxima dos fiéis, carentes ou não, e isso dá um alento. Não resolve, mas cria a impressão de que alguma coisa está sendo feita, e você só precisa crer e orar. Essa violência e autoritarismo que Malafaia e seus asseclas pregam é que precisam ser denunciados.
Bolsonaro se aliou a essa gente para chegar mais rápido ao poder. Eles estão lá, atentos e fortes, prontos para seguir no seu projeto de transformar o Brasil numa teocracia que tornará a realidade muito mais difícil de ser transformada. É preciso ver o filme de Petra, mas é preciso, sobretudo, impedir que essa gente volte ao poder. Pelo amor de Deus.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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