Ainda é pouco diante de tudo que ele fez
No fim das contas, 27 anos de prisão podem até parecer muito — mas diante de tudo que Bolsonaro causou, ainda é bem pouco
O Brasil acaba de assistir a um momento histórico. Pela primeira vez, um ex-presidente da República é condenado por tentar destruir a democracia. Jair Bolsonaro foi sentenciado pelo Supremo Tribunal Federal a 27 anos e 3 meses de prisão por crimes que vão desde tentativa de golpe de Estado até formação de organização criminosa e deterioração de patrimônio público. É uma decisão que entra para os livros de história — e que precisa ser compreendida em toda sua dimensão.
Bolsonaro não foi um coadjuvante arrastado pela onda golpista. Ele foi o maestro da orquestra que tentou enterrar o Estado Democrático de Direito. Como bem disse a ministra Cármen Lúcia, ele não foi tragado pelos acontecimentos, pelo contrário, foi o causador. Usou a presidência da República para disseminar mentiras, corroer a confiança no sistema eleitoral, mobilizar as Forças Armadas e insuflar boa parte da população contra as instituições. Um plano frio, calculado e criminoso, que agora encontra resposta na Justiça.
Mas sejamos francos. Os crimes pelos quais Bolsonaro foi condenado — e que, por si só, já são gravíssimos — ainda não chegam perto do tamanho da tragédia que ele impôs ao povo brasileiro. A tentativa de golpe foi um ataque direto ao coração da democracia; sua omissão, descaso e sabotagem no enfrentamento à pandemia foram um ataque direto à vida de centenas de milhares de brasileiros e brasileiras. Negou vacinas, incentivou aglomerações, debochou das mortes e naturalizou o luto. Esse é o peso moral que nenhuma sentença judicial será capaz de medir.
E não parou aí. Bolsonaro também deixou como herança a devastação ambiental com o desmonte da fiscalização e a explosão do garimpo ilegal; o ataque sistemático à cultura e à educação; a diplomacia ridícula que transformou o Brasil em pária internacional; a corrupção escancarada, das rachadinhas da família aos escândalos do gabinete paralelo da saúde; e o discurso de ódio permanente contra mulheres, negros, indígenas, quilombolas e a comunidade LGBTQIA+. Seu governo foi um projeto de destruição em todos os níveis, da vida, da natureza, das instituições e da convivência democrática.
É claro que a decisão do STF é um marco. Mostra que a democracia brasileira, mesmo ferida, tem anticorpos. Mostra que ninguém, por mais alto que tenha chegado, está acima da lei. Mas também revela o quanto ainda precisamos avançar para que a justiça alcance a totalidade das responsabilidades.
A condenação de Bolsonaro, portanto, não é apenas um recado a ele e aos seus cúmplices. É um recado a qualquer aventureiro autoritário que sonhe em rasgar a Constituição: o Brasil não aceita mais golpes. O povo brasileiro sabe o preço que se paga quando a democracia é destruída. E sabe também o preço que se paga quando vidas humanas, a floresta e os direitos fundamentais são tratados como descartáveis.
Bolsonaro terá muito tempo atrás das grades para refletir sobre as escolhas que fez. Já o Brasil deverá seguir adiante, curando suas feridas, reconstruindo sua confiança nas instituições e, acima de tudo, honrando a memória daqueles que não sobreviveram às escolhas criminosas de seu governo.
No fim das contas, 27 anos de prisão podem até parecer muito — mas diante de tudo que Bolsonaro causou, ainda é bem pouco.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.