Adélio, o hacker e a Abin Paralela: o esgoto do poder bolsonarista começa a emergir
Relatório da PF mostra que pelo menos parte das denúncias que Patrick Brito fez ao 247 em julho do ano passado é consistente
O relatório da Polícia Federal sobre o inquérito da Abin Paralela cita o hacker Patrick Brito como um dos monitorados (um dos alvos mais monitorados, aliás, 561 consultas no First Mile), mas não faz referência ao trabalho que ele realizou como colaborador da Agência. E não é um mero detalhe. Patrick Brito diz ter sido cooptado para hackear o vice-presidente na época, Hamilton Mourão.
Patrick Brito mostra evidências de que, efetivamente, controlou contas de e-mail e o perfil de Hamilton Mourão no Facebook, como a relação de contatos e prints de mensagens que o então vice-presidente recebeu.
“Monitoramento intenso de hacker investigado por crimes cibernéticos. ABIN recebeu informações sobre ele via jornalista. Operação ‘MeiaTigela’”, informa documento apreendido pela Polícia Federal na Agência.
O relatório também faz referência a uma entrevista que Patrick deu à TV 247, e diz que tentou tomar depoimento dele, mas Patrick, que mora na Sérvia, não quis. “Segui orientação do meu antigo advogado, e acho que foi um erro. Se houver oportunidade, posso depor ainda”, afirma.
Ele pretende enviar carta ao ministro Alexandre de Moraes, em cuja jurisdição está o inquérito. O relato que Patrick deu ao 247 bate com informações colhidas pela Polícia Federal, no inquérito da Abin Paralela.
Foi o jornalista Fabiano Golgo, que já trabalhou para o Grupo RBS, quem encaminhou à Abin documentos sobre o hackeamento de Patrick antes de agosto de 2019, que teve Jair Bolsonaro como um dos alvos.
Segundo o relatório da PF, Golgo encaminhou 12 e-mails para Marcelo Furtado, um dos dirigentes da Abin na época. Esses e-mails tinham como anexos contas de e-mail, de celular e TV a cabo de Bolsonaro.
Mas não apenas dele. Havia também uma conta de telefone de Adélio Bispo de Oliveira. Em entrevista ao 247, o jornalista Golgo afirmou que, depois de reuniões por videoconferência com Furtado, foi informado de que não haveria investigação.
“Achei estranho, porque, publicamente, Bolsonaro sempre disse que queria investigação profunda do caso Adélio, mas não, de uma hora para outra, perderam o interesse”, diz.
A ação da Abin contra Patrick também pode ter sido motivada pelo hackeamento que fez nas redes sociais do então coronel da Aeronáutica Eduardo Alexandre Bacelar, atualmente brigadeiro do ar.
Ele era o coordenador-geral de Transporte Aéreo do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência quando, em junho de 2019, o sargento da Aeronáutica Manuel Silva Rodrigues foi preso na Espanha com 39 quilos de cocaína.
Manuel estava no avião de apoio na comitiva de Jair Bolsonaro que se deslocava para o Japão, e teve a bagagem revistada pela polícia de Sevilha, onde a aeronave parou para reabastecimento.
Bacelar foi hackeado alguns meses depois por razões pessoais de Patrick, uma divergência na família, e teria acionado a Abin, com a participação do jornalista Golgo.
Patrick tem fotos de Bacelar com Bolsonaro e outras de cunho pessoal. E teria feito contato com o próprio coronel, para ameaçá-lo.

As informações do hacker precisam ser tomadas com reserva. O próprio Golgo diz suspeitar de que a conta de Adélio possa ter sido adulterada, com o objetivo de impressioná-lo.
Patrick me relatou a história e atribuiu a um político de centro-direita a encomenda para invadir contas de e-mail de Adélio.
No entanto, não apresentou evidências de que mantinha contato com esse político, daí eu ter interrompido contato com ele.
A conta é de 2016, quando Adélio, garçom e servente de pedreiro, era desconhecido nacionalmente.
Em março deste ano, no entanto, um episódio devolveu a Patrick pelo menos parte da credibilidade, e me fez voltar a me comunicar com ele.
A Polícia Federal indiciou o cunhado da prefeita de Bauru, que é do PSD, por contratá-lo para invadir contas de um jornalistas e de adversários políticos, entre estes uma vereadora do PT.
O indiciamento mostra que seu relato sobre o hackeamento que fez com objetivo político entre julho de 2021 e janeiro de 2022 na cidade de Bauru era consistente.
Outro relato consistente diz a um delegado de polícia que era poderoso em Araçatuba, interior de São Paulo, Carlos Henrique Cotait. Patrick apresentou evidências de que também fez trabalho ilegal para o delegado, tendo como alvo o ministro do Empreendedorismo, Márcio França.
Em razão de suas denúncias, o delegado foi transferido para um departamento administrativo, e responde à investigação na corregedoria.
Em 2023, Patrick pediu asilo na Sérvia, entre outras razões porque, em um áudio entregue à corregedoria, o delegado diz querer matar o hacker. Ele ainda mora na Sérvia.
Patrick deixou o Brasil no dia 27 de fevereiro de 2021, depois de ter sido preso em uma operação da Polícia Civil de São Paulo.
Patrick diz que foi liberado e teve o passaporte devolvido após aceitar a proposta do delegado Cotait de monitorar pessoas ligadas a Márcio França, adversário político de João Doria, então governador.
A decisão de fugir, segundo ele, já estava tomada antes de colaborar com essa investigação, Ele temia represália por conta do hackeamento de Hamilton Mourão.
Segundo seu relato, em julho de 2020, depois das denúncias do jornalista Golgo, a Abin foi até sua casa, no interior de São Paulo.
Patrick, no entanto, passava uma temporada em Canavieiras, Santa Catarina. Sua mãe atendeu a dois agentes, e ligou para ele.
Por telefone, o hacker conversou com um dos agentes e disse que aceitaria conversar com eles, mas teriam que ir à cidade catarinense.
Alguns dias depois, um casal, que se apresentou como Vagner e Soraia, o encontrou em um shopping e perguntou sobre suas atividades como hacker.
Ele contou que já tinha prestado serviços para a Embaixada dos EUA, num monitoramento ilegal de pessoas que frequentavam outra embaixada com sede em Brasília, a do Irã.
Os agentes teriam, então, proposto a ele que trabalhasse também para a Abin, e algumas semanas depois foi contactado para ir a Brasília.
Patrick, efetivamente, se hospedou em um hotel da capital federal por mais ou menos um mês, entre novembro e dezembro.
Suas despesas, segundo ele, foram pagas com depósitos na conta de um parente, feitas a partir de comunicação com pessoas que se apresentavam como da Abin.
O objetivo era acessar as comunicações do vice-presidente, quando havia um burburinho de que este estaria sendo sondado para apoiar um processo de impeachment contra Bolsonaro, em razão da sabotagem às medidas sanitárias para enfrentar a pandemia covid-19.
Patrick não encontrou nada que indicasse participação de Hamilton Mourão num suposto movimento pelo impeachment, e as relações com a Abin foram cortadas.
“Nesse momento, quando eles desabilitaram o WhatsApp, fiquei com medo de que a corda arrebentasse e, com isso, a conta viria para o lado mais fraco, no caso eu”, afirma.
O início do monitoramento de Patrick pelo First Mile coincide com a data em que decide deixar Brasília e a um mapa de geolocalização que o mostra na capital.
O monitoramento se encerra em fevereiro, quando ele embarca para a Alemanha, onde fez conexão para a Sérvia.
O relatório da Polícia cita o encontro de prints sobre Patrick Brito no celular de Marcelo Furtado em outubro de 2021.
A data coincide com um suposto diálogo que teve pelo Facebook de Mourão com um homem que se apresentou como capitão, da equipe de segurança da Vice-Presidência.
Ele teria dito: “Sabemos o que você fez. Não faça mais”.
“Depois desse diálogo a conta foi desabilitada pelo Facebook”, narra Patrick.
Chama a atenção outro episódio envolvendo Adélio, este presente no inquérito policial sobre o evento de Juiz de Fora, em 6 de setembro de 2018.
Os responsáveis pela investigação informa que Adélio tinha sete contas de e-mail quando foi preso. Segundo o inquérito, duas delas estavam desativadas por falta de uso.
Ocorre que a conta [email protected], citada como em desuso, até hoje está sob controle do hacker. Tanto que enviei um e-mail e ele respondeu, para provar que tinha acesso.
Patrick conta que hackeou os e-mails do homem responsabilizado por esfaquear Bolsonaro em maio de 2018, quando Adélio ainda era desconhecido.
Pedi a ele provas de que teve acesso àquele e-mail antes do evento de Juiz de Fora, e ele ficou de providenciar um extrato do Google, proprietário do gmail.
A Abin Paralela, que teve origem em Juiz de Fora, com a nomeação de três agentes responsáveis pela segurança naquele 6 de setembro de 2018, é a ponta do iceberg.
Casos de espionagem ilegal já estão comprovados. Mas pode haver mais. Casos mais graves. É preciso investigar.
O relatório da PF narra uma intensa movimentação na Abin e na Polícia Federal para usar o caso de Juiz de Fora antes da eleição e, depois, quando o plano golpista estava em curso.
Esta é uma história que também vou contar nesta coluna. Aguardem os próximos capítulos.
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