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Elisabeth Lopes

Advogada, especializada em Direito do Trabalho, pedagoga e Doutora em Educação

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A vaga no STF e o desafio de uma Justiça plural e republicana

'A escolha de um ministro para o STF não é um ato meramente técnico, mas uma decisão profundamente política e estratégica para um projeto de país'

Julgamento do núcleo central da trama golpista na Primeira Turma do STF - 10 de setembro de 2025 (Foto: Victor Piemonte/STF)

Com a aposentadoria antecipada do Ministro Luís Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da República tem a complexa escolha do próximo ministro para ocupar a vaga. Entre acertos e erros nas escolhas passadas, não cabe mais a Lula falhar nessa indicação.

Na antevéspera da decisão presidencial e da posterior apreciação, pelo Senado Federal, do nome indicado para o STF, intensificam-se as articulações e expectativas em torno de um dos cargos de maior relevância e influência nos rumos do Estado Democrático de Direito. Entre os nomes mais citados figuram o atual advogado-geral da União, Jorge Messias; o ministro do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas; e o ex-presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. De acordo com informações amplamente divulgadas pela imprensa, o preferido do presidente seria Jorge Messias.

Embora existam vários pedidos de indicação de uma mulher com ênfase étnico racial, por vários segmentos da sociedade para ocupar a cadeira na Suprema Corte, nas publicações dos possíveis candidatos não são mencionados nomes de juristas do sexo feminino. Com tantas mulheres renomadas que se encaixam perfeitamente nos requisitos referidos no Artigo 101 da Constituição Federal quanto à idade, à reputação ilibada e ao notável saber jurídico, a composição da Suprema Corte brasileira em seus 134 anos, deixa nítida o quanto o país é orientado pelo patriarcalismo em que homens brancos e heterossexuais têm dominado a presença nos vários espaços de decisão.

Entretanto, não é necessário apenas ampliar a ocupação de cargos nos órgãos públicos da República pelas mulheres no âmbito meramente de uma concessão política, e sim de reconhecer, de uma vez por todas, os saberes e competências acumulados pelas mulheres, tanto quanto esses aspectos são reconhecidos nos homens.

Trata-se de promover a equidade nas representações institucionais, tanto no âmbito público quanto no privado, fundamentando-se em uma concepção plural de humanidade que reconheça e valorize a diversidade de raça, gênero, orientação sexual e classe social.

Nos últimos dias, intensificaram-se as pressões de todos os lados, algumas movidas por razões legítimas e equânimes; outras, contudo, impulsionadas por conveniências políticas e interesses hegemônicos de natureza questionável. Tais disputas ocorrem em um ambiente marcado por discriminações persistentes e por significativas instabilidades, refletindo as cisões de uma sociedade dividida, que atravessou anos de ditadura e sucessivas tentativas de golpe, algumas bem-sucedidas em razão de sua historicidade reacionária, escravocrata, machista e exploradora. Apesar do contínuo desenvolvimento do país, essas contradições permanecem evidentes.

Embora tenhamos inúmeras críticas sobre suas interpretações jurídicas, há entre os onze integrantes do STF ministros que cumprem suas atribuições à altura do que se espera na última instância do Poder Judiciário, como guardiã máxima da Carta Constitucional. Após a tentativa de golpe de Estado protagonizada pelo ex-presidente condenado, Jair Bolsonaro, e por seus asseclas, tanto militares quanto civis, os ministros do Supremo Tribunal Federal, a despeito de significativas divergências interpretativas e convicções ideológicas, cumpriram seus papéis em defesa dos mandamentos constitucionais.

Segundo o emérito ministro Celso de Mello, a Constituição de 1988 permitiu “situar o Brasil entre o seu passado e o seu futuro”, por meio de um instrumento jurídico moderno, “essencial para a defesa das liberdades fundamentais do cidadão em face do Estado”.

Contudo, no decorrer de flutuantes nuances políticas conjunturais dos últimos tempos, em meio a configurações dissonantes da “essencial defesa das liberdades fundamentais do cidadão, como nos ensina o eminente ministro Celso de Mello, nem sempre alguns ministros da Suprema Corte manifestaram em seus julgamentos a afinidade estrita com os princípios fundamentais que iluminam as cognições do preâmbulo, dos 9 títulos principais e do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da CF.

A título de exemplo, convém recordar algumas decisões que impactaram negativamente a trajetória política e pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2016, o ministro Gilmar Mendes suspendeu a nomeação de Lula para o cargo de ministro-chefe da Casa Civil, decisão que teve ampla repercussão política e jurídica. Anos depois, quando vieram à tona as ilegalidades cometidas pelos protagonistas da Operação Lava Jato, o ex juiz Sérgio Moro e o ex procurador Deltan Dallagnol, o próprio ministro Gilmar Mendes, em entrevista concedida ao programa Roda Viva em 2019, reconheceu: “Se o caso do Lula assumir a Casa Civil fosse hoje, eu teria muitas dúvidas sobre que decisão tomar.” Outro episódio marcante ocorreu em 2018, quando o Supremo Tribunal Federal negou o pedido de habeas corpus apresentado pela defesa do ex-presidente, que buscava impedir sua prisão após o esgotamento dos recursos na segunda instância da Justiça Federal. Votaram contra a concessão do pedido os ministros Edson Fachin (relator), Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e a então presidente Cármen Lúcia. Já os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello manifestaram-se favoravelmente, por entenderem que a execução da pena só seria legítima após o trânsito em julgado da sentença, ou seja, o esgotamento de todos os recursos na própria Corte.

Em 23/06/2021, “O Plenário do STF manteve a decisão da Segunda Turma do Tribunal que declarou a suspeição do ex-juiz Sergio Moro na ação penal contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva referente ao triplex no Guarujá (SP). Por maioria de votos, o colegiado entendeu que Moro demonstrou parcialidade na condução do processo na 13ª Vara Federal de Curitiba (PR)” (Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias). Como o tempo se encarrega de revelar a verdade, finalmente a afinidade com os direitos previstos na letra da CF se manifestou nessa decisão.

Nesta materialidade complexa é importante que o presidente da República, a partir de sua prerrogativa constitucional, decida a indicação do próximo ministro do STF com base numa análise dialética de totalidade dos aspectos que configuram a sociedade em permanente movimento histórico. Lula tem reiterado que não busca um amigo para o cargo, mas um ministro comprometido com a função pública. Assim, a expectativa é de que a escolha não se dê sob pressões de ministros do Supremo Tribunal Federal, do Congresso Nacional ou de outros grupos de interesse, mas que seja pautada por uma multiplicidade de razões éticas e institucionais, para além dos critérios formais estabelecidos no artigo 101 da Constituição Federal de 1988. Espera-se que o(a) futuro(a) ministro(a) conduza suas decisões orientado(a) pelos princípios fundamentais que regem a justiça e a democracia brasileiras

Segundo o advogado Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Grupo Prerrogativas, em entrevista ao site Brasil de Fato, “a indicação é política, então a lealdade é fundamental. Ao lado dos requisitos constitucionais […] é fundamental, indispensável, exigível, [que seja] uma pessoa leal, uma pessoa íntegra, que tem espírito público”.

Endosso essa avaliação, porque a escolha de um ministro para a Suprema Corte não é um ato meramente técnico, mas uma decisão profundamente política e estratégica para a consolidação de um projeto de país. No caso do atual governo, esse projeto se ancora em princípios progressistas que orientam políticas públicas voltadas ao fortalecimento da democracia com justiça social, ao desenvolvimento sustentável, à defesa do ambiente, e à redução das desigualdades sociais. Assim, a lealdade a esses valores e não a pessoas é o que sustenta a coerência entre o Judiciário e o compromisso constitucional de construir uma sociedade livre, justa e solidária. Ministros íntegros e comprometidos com o interesse público atuam, portanto, não como defensores de governos, mas como guardiões das conquistas sociais e dos direitos fundamentais da maioria do povo brasileiro.

Considerando que a atual composição da Suprema Corte é majoritariamente formada por homens brancos, heterossexuais e oriundos de segmentos sociais privilegiados, é compreensível que exista uma distância simbólica e prática entre suas vivências e as realidades enfrentadas pela ampla maioria da população brasileira.

Essa homogeneidade de origem tende a limitar a sensibilidade institucional diante das demandas dos despossuídos, das classes trabalhadoras e das minorias historicamente excluídas do poder e da justiça. A ausência de diversidade no mais alto tribunal do país reflete e perpetua uma estrutura social que privilegia poucos e marginaliza muitos, tornando urgente a indicação de um ministro ou ministra que traga outras experiências, outras vozes e outros olhares para a Corte, alguém capaz de representar os anseios da maioria que ainda não usufrui, de forma equitativa, dos direitos garantidos pela Constituição. Afinal, uma justiça verdadeiramente democrática precisa ser plural em sua composição para ser justa em suas decisões.

A escolha do novo ministro do Supremo Tribunal Federal transcende, portanto, o campo das conveniências políticas e das pressões corporativas. Trata-se de uma decisão que deve refletir o compromisso do Estado brasileiro com a pluralidade, a democracia e a efetividade da justiça. Ao presidente Lula cabe não apenas indicar um nome juridicamente preparado, mas alguém que compreenda a complexidade social do país e atue com espírito público e fidelidade aos valores constitucionais. O futuro ministro, ou ministra deverá ser capaz de reafirmar a independência do Poder Judiciário e de fortalecer o equilíbrio entre os Poderes, preservando o Estado Democrático de Direito diante das turbulências políticas que o país ainda enfrenta.

Diante das persistentes assimetrias que permeiam o acesso aos espaços de decisão, a reflexão sobre os mecanismos de poder e representação torna-se indispensável. Na condição de mulher, reconheço que a defesa da equanimidade nas nomeações, contemplando critérios de gênero, raça, orientação sexual e classe social para a composição da Suprema Corte e de outras instituições, sejam elas públicas ou privadas, ultrapassa o âmbito de uma reivindicação por justiça. Trata-se, antes, de uma exigência ética e institucional imprescindível à consolidação de uma sociedade verdadeiramente democrática e representativa.

 

 

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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