A “Riviera de Gaza” de Trump: verde, canais, arranha-céus e nada de Palestina
Gaza não é um terreno vazio a ser reconfigurado pelo capital: é um território vivo, com história, cultura e direito reconhecido de soberania
O Washington Post revelou que a administração Trump estuda um plano de 38 páginas para o futuro de Gaza. À primeira vista, fala-se em “reconstrução”, “modernização” e até em transformar a região na “Riviera do Oriente Médio”. Mas basta uma leitura atenta para perceber que o projeto se apoia em três eixos profundamente problemáticos: deslocamento populacional dos habitantes palestinos, mercantilização da terra e negócios privados travestidos de ajuda humanitária.
Deslocamento forçado disfarçado de voluntário - O plano propõe que os dois milhões de habitantes de Gaza sejam retirados de sua terra natal, seja por “saídas voluntárias” para outros países, seja por confinamento em “zonas seguras”. Essa linguagem suaviza um processo que, na prática, configura limpeza étnica. A ONU já alertou para esse risco. O paralelo histórico é claro: da Nakba de 1948, que expulsou centenas de milhares de palestinos de suas casas, aos deslocamentos forçados da ex-Iugoslávia nos anos 1990.
Um plano para Gaza concebido para agradar Donald Trump e sua tribo. Onde há muito negócio, cifras redondas com uma fila de zeros, os investimentos, a tecnologia, a inteligência artificial, os data centers. A visão do projeto é claramente de estilo trumpiano. Muito aço e concreto, muita grana rolando. Mas nada de Palestina.
O problema, para os membros dessa tribo, são os gazatinos, os habitantes da Faixa de Gaza. Mais do que legítimos habitantes de uma terra reduzida a escombros por 22 meses de mísseis israelenses, eles são o obstáculo principal a um projeto de 100 bilhões de dólares. Devem ser acomodados fora, enquanto as gruas trabalham. Melhor ainda se depois permanecerem lá fora, e nunca mais aparecerem por aquelas bandas.
O projeto se chama GREAT Trust, acrônimo de “Gaza Reconstitution, Economic Acceleration and Transformation”, escrito em maiúsculas como MAGA: clara referência ao slogan do atual Presidente magnata, Make America Great Again. Nas suas 38 páginas condensa-se o destino da Faixa tal como imaginado por israelenses que já idealizaram o sistema da Gaza Humanitarian Foundation, a controversa fundação americana que utiliza contratados armados para distribuir comida. O dossiê está sobre a mesa de Trump, junto com outras propostas semelhantes para o pós-guerra. Dizem que ainda não foi tomada uma decisão definitiva; o assunto estaria em discussão. Mas alguém duvida que Donald Trump, sua família e toda a tribo de magnatas que orbitam a seu redor não o encamparam como o verdadeiro objetivo de todo o horror destrutivo e genocida que acontece naquele canto do mundo?
“Gaza se tornará um resort turístico cintilante e um polo de tecnologia e artesanato high-tech” promete um dos prospectos promocionais do projeto. As imagens por simulação mostram uma cidade que lembra Dubai, mas cercada de verde, erguida sobre um território inexistente, com cursos d’água, campos irrigados e árvores que chegam à praia.
O plano prevê ainda que os Estados Unidos assumam o controle administrativo da Faixa por pelo menos dez anos. O investimento estimado gira em torno de 100 bilhões de dólares, com perspectiva de retorno quatro vezes superior ao longo da década. Para ser posto em prática, caso Trump o adote, o projeto atrairia investimentos públicos e privados em “megaprojetos” de hotéis à beira-mar e fábricas de carros elétricos. De certo, o objetivo de quem formulou o GREAT Trust é dar forma à intenção, já declarada várias vezes por Trump, de transformar Gaza na “Riviera do Oriente Médio” - ideia inicialmente concebida por seu genro, Jared Kushner, que tem fortes interesses econômicos na região. O envolvimento de figuras como Jared Kushner revela o que está por trás: interesses privados alinhados à geopolítica. Como nas antigas concessões coloniais, onde elites externas administravam territórios em nome da “civilização”, aqui fala-se em “reconstrução” para justificar um projeto de expropriação e reengenharia social.
Não à toa há alguns meses Trump disse: “Gaza já é um gigantesco canteiro de demolição. Precisa ser reconstruída de modo diferente: tem uma localização excepcional à beira-mar, um clima magnífico”.
Mas o que ele apresenta como reconstrução é, na verdade, um negócio travestido de política internacional. Pouquíssimos no mundo, no entanto, parecem entender e aceitar que Gaza não é um terreno vazio a ser reconfigurado pelo capital: é um território vivo, com história, cultura e direito reconhecido de soberania. Transformá-lo em “Riviera” à custa do deslocamento de milhões significa repetir, em pleno século 21, a lógica das colônias de exploração.
A verdadeira reconstrução de Gaza só pode começar pelo reconhecimento de seus habitantes como sujeitos de direito - não como obstáculos a serem removidos em nome do mercado.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.



