A Primeira Guerra Mundial e o colapso da ordem imperialista do início do século 20
A guerra foi uma verdadeira “festa universal da morte”, como escreveu Thomas Mann em sua obra-prima A Montanha Mágica
No dia 1º de agosto de 1914, o Império Alemão declarou guerra ao Império Russo. A partir daquele dia, o conflito deixa de ser apenas uma questão balcânica e passa a envolver as grandes potências reacionárias europeias em alianças militares opostas - A Tríplice Aliança versus a Tríplice Entente). Deflagra-se a Primeira Guerra Mundial, um dos episódios mais sangrentos da história moderna. Embora o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro, tenha sido o estopim do conflito, motivando a declaração de guerra do Império Austro-Húngaro à Sérvia, os fatores que desencadearam a guerrra mundial estavam profundamente enraizados nas rivalidades entre as potências imperialistas, no expansionismo colonial e na corrida armamentista desenfreada que caracterizou o início do século 20.
O assassinato, perpetrado por um militante nacionalista sérvio, ofereceu aos círculos militaristas de Viena o pretexto para intervir violentamente contra a Sérvia. No entanto, tal agressão só se concretizou após o aval da Alemanha, cuja elite dirigente via na conjuntura internacional uma oportunidade para impor sua hegemonia sobre rivais tradicionais, como França, Inglaterra e Rússia. Em poucas semanas, o conflito local tornou-se uma conflagração generalizada que se estenderia para além da Europa, envolvendo o Japão, o Império Otomano e, posteriormente, os Estados Unidos.
A disputa por uma nova partilha do mundo
A Primeira Guerra Mundial não foi apenas um conflito militar; foi sobretudo a expressão brutal das contradições internas do sistema imperialista. Já no final do século 19 e início do século 20, múltiplos embates expressavam a tensão entre as potências em busca de colônias e mercados. O confronto entre EUA e Espanha em 1898, a guerra russo-japonesa de 1904-1905, os choques entre França e Alemanha pela posse de territórios na África, como Marrocos e Congo, e a ocupação da Bósnia-Herzegovina pelo Império Austro-Húngaro em 1908, são apenas alguns exemplos das escaramuças prévias ao conflito global.
Em 1910, o Japão anexava a Coreia, demonstrando suas pretensões imperialistas no Extremo Oriente. Em 1911, a Itália atacava o Império Otomano e tomava a Líbia. Todos esses episódios evidenciam que, antes mesmo de 1914, o mundo caminhava rumo a uma guerra de grandes proporções, motivada pela necessidade das potências capitalistas de redefinir as zonas de influência diante do desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo.
As alianças e o caos internacional
De um lado da trincheira, estavam a Alemanha, o Império Austro-Húngaro e o Império Otomano – a chamada Tríplice Aliança. De outro, formava-se a Tríplice Entente, composta por Inglaterra, França e Rússia, à qual se somariam Itália, Japão e, mais tarde, os Estados Unidos. Mais de 75 milhões de soldados foram mobilizados ao longo do conflito, que resultou em mais de 10 milhões de mortos e 20 milhões de feridos, além de uma devastação econômica e social sem precedentes.
A guerra revelou-se, assim, uma verdadeira “festa universal da morte”, como escreveu Thomas Mann em sua obra-prima A Montanha Mágica. Para ele, o conflito era uma febre perniciosa que devastaria a Europa por vários “anos malignos”. Apesar de seu espírito progressista, Mann acabou por apoiar a entrada da Alemanha na guerra, como tantos outros intelectuais que, seduzidos pelo apelo patriótico, sucumbiram à lógica da defesa da pátria mesmo em uma guerra injusta.
A traição da Segunda Internacional
Para o movimento socialista internacional, a guerra significou uma profunda cisão. A maioria dos partidos socialistas da Europa, ao invés de manterem-se fiéis aos princípios do internacionalismo proletário, aderiram às respectivas burguesias nacionais. Aprovaram orçamentos militares nos parlamentos, convocaram os trabalhadores à “paz civil” e justificaram sua posição com apelos à defesa nacional. O resultado foi a falência política e moral da Segunda Internacional, que desde sua fundação em 1889 havia se comprometido com a luta contra a guerra e a solidariedade entre os povos.
A exceção ficou por conta de revolucionários coerentes com os princípios marxistas. Entre eles, o líder comunista russo Vladimir Lênin, que qualificou a guerra como uma consequência inevitável do imperialismo e da luta entre potências capitalistas por mercados e colônias. Para ele, o dever dos comunistas era transformar a guerra imperialista em guerra civil revolucionária, ou seja, mobilizar os trabalhadores para derrubar seus próprios governos e instaurar o poder popular.
“A guerra europeia, preparada durante dezenas de anos pelos governos e partidos burgueses de todos os países, estalou”, dizia Lênin. “O armamentismo, o agravamento da luta por mercados, os interesses dinásticos das monarquias reacionárias e o desejo de subjugar outras nações levaram inevitavelmente a esse massacre. A ocupação de territórios, o saque de riquezas, a destruição de nações concorrentes e o engano das massas pela mentira nacionalista constituem a essência da guerra.”
A resistência revolucionária
Com base nessa análise, os bolcheviques desenvolveram uma tática audaciosa: convocar os soldados a voltarem suas armas contra as burguesias que os haviam enviado ao massacre. A consigna “Transformar a guerra imperialista em guerra civil!” tornou-se o divisor de águas entre a social-democracia degenerada e o socialismo revolucionário. Em 1916, na Alemanha, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht fundaram o grupo Spartacus, combatendo abertamente a guerra e denunciando a traição dos social-democratas.
O posicionamento de Lênin e dos bolcheviques não se limitou à crítica: tornou-se prática revolucionária. A Revolução Russa de 1917 é o exemplo mais notório da aplicação desta estratégia. Ela demonstrou que, mesmo em meio à barbárie da guerra, era possível abrir caminho para uma nova ordem social baseada na soberania popular e na abolição do regime capitalista.
Legado e atualidade
A Primeira Guerra Mundial não apenas alterou o mapa político da Europa e do mundo, com a queda de impérios e a demarcação de fronteiras, mas também legou lições valiosas ao movimento operário e aos povos oprimidos. Revelou que, sob o capitalismo, a paz é sempre frágil, e que o imperialismo, em sua lógica expansionista, tende a resolver suas crises internas com o recurso à guerra.
Mais de um século depois, essas lições permanecem atuais. O belicismo das grandes potências imperialistas, a miliitarização das relações internacionais e os conflitos por zonas de influência continuam a ameaçar a paz mundial. Cabe às forças progressistas e internacionalistas, inspiradas no exemplo dos revolucionários de 1914-1917, reafirmar o compromisso com a luta contra o imperialismo e com a construção de um mundo baseado na solidariedade, na justiça social e na autodeterminação dos povos, como pressupostos para o socialismo e a paz.
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