A Natureza é sagrada. Destruí-la é uma profanação
Os povos originários das Américas, da África, da Ásia e da Europa sempre compreenderam que a Terra não é um objeto, mas um “ser vivo”
COP 30 reunida em Belém do Pará. Centenas de líderes e cientistas de todo o mundo para discutir o futuro climático do planeta. Mas, entre todos os debates de ciência, técnicos, econômicos, políticos e de business, talvez seja importante recordar algo que a humanidade parece ter esquecido: a natureza é sagrada. Essa afirmação, que pode soar apenas poética, é na verdade um imperativo ético, espiritual e civilizatório. Nenhum projeto se faz realmente grande sem possuir uma base filosófica bem fundamentada.
Durante os dois últimos milênios, em todo a Era Cristã, o homem acreditou que o sagrado residia nos céus - distante, invisível, separado da matéria. As religiões tradicionais de matriz judaico-cristã-muçulmana ergueram templos magníficos para abrigar o divino, mas poucos se lembraram de que o primeiro e maior templo é a própria Terra.
No entanto, desde muito tempo antes, os povos originários das Américas, da África, da Ásia e da Europa compreenderam que a Terra não é um objeto, mas um “ser vivo”, dotado de espírito e dignidade. Para eles, a floresta era templo, o rio divindade, a montanha altar. O respeito ao ambiente era expressão de reverência ao mistério da vida. Essa sabedoria ancestral, tantas vezes marginalizada pela modernidade, ressurge agora como um farol para o século 21. Trata-se na verdade de uma ideia que a cada dia se fortalece como pilar de sustentação das ciências do meio ambiente, tais como a ecologia, a climatologia, a da biodiversidade e a da sustentabilidade. A Terra é um ser vivo, inteligente, sensível, com afirmam cientistas do porte de James Lovelock (Hipótese Gaia), Arne Naess (fundador da Ecologia Profunda), e tanto outros que chamam a Terra de viva e sagrada porque ela possui uma dignidade própria que não deve ser violada.
Carl Jung via a natureza como espelho do inconsciente coletivo - uma linguagem do sagrado que se manifesta nas formas vivas, nos ciclos, nas estações. O afastamento do homem moderno da natureza seria, assim, uma alienação da própria alma. Redescobrir o sagrado natural significa, para Jung, recuperar o elo perdido entre o eu interior e o cosmos.
A civilização industrial, fundada na exploração ilimitada, insustentável, objetivando apenas o lucro, quebrou o pacto sagrado entre o homem e a Terra. Reduzimos o planeta a uma mina, o solo a mercadoria, o ar a depósito de resíduos, o mar a uma grande bacia de lixo plástico. A consequência é uma crise ecológica sem precedentes - climática, energética, ética e simbólica. O planeta adoece, e o sintoma mais grave é a perda do sentido de pertencimento.
No entanto, como reação a esse estado de descalabro filosófico em relação à sacralidade da Terra como Grande Mãe, cresce uma nova consciência planetária. A ecologia profunda, a hipótese Gaia e as filosofias integrativas propõem uma revolução de paradigma: o ser humano não está fora da natureza, mas dentro dela. A Terra é um organismo vivo, uma rede de relações em permanente equilíbrio. A destruição ambiental é, portanto, e sem sombra de dúvida, uma forma de autodestruição.
Na perspectiva científica, essa percepção ganha respaldo. Estudos sobre os ecossistemas revelam uma complexidade e interdependência que despertam algo semelhante à reverência. A ciência, ao desvendar o funcionamento da biosfera, reencontra o sentimento de humildade diante do mistério da vida - o mesmo que moveu antigos sábios e poetas.
A COP 30 tem, assim, uma missão que ultrapassa a técnica e a diplomacia. Trata-se de restaurar uma ética do sagrado terrestre, um novo pacto espiritual com o planeta. A transição ecológica não será apenas tecnológica; será também simbólica e interior. Sem uma mudança na consciência humana, nenhuma meta climática será sustentável.
Chamar a natureza de sagrada é devolver-lhe seu valor intrínseco. É reconhecer que as florestas não são apenas estoques de carbono, mas espaços vivos de comunhão; que os rios não são canais de drenagem, mas veias da Terra; que o ar, a água e a luz são dádivas, não recursos.
Belém, coração da Amazônia, poderá ser o palco ideal para esse reencontro entre razão e reverência. Que a COP 30 não se limite a acordos de papel, mas inspire um renascimento espiritual e ecológico. Pois salvar o planeta é mais do que uma questão de sobrevivência - é um ato de amor e de fé na própria vida.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.



