A maior de todas as batalhas de Lula
Não há alternativa: é vencer ou vencer
A Deusa Fortuna está oferecendo a Lula, ao governo e às esquerdas uma excepcional ocasião para sair da defensiva política e passar para uma posição de ataque e impor uma derrota política ao bolsonarismo e à extrema-direita. Já foram várias ocasiões oferecidas, sempre desperdiçadas pelo governo e pelas esquerdas, que escolheram permanecer numa posição defensiva nesses dois anos e meio de mandato.
Os sinais vindos de Lula, do governo e dos partidos de esquerda nos últimos dias são animadores, pois indicam que compreenderam a ocasião que lhes está sendo ofertada como uma dádiva. Mas esse reposicionamento não pode ser um espasmo do momento. Requer uma intervenção eficaz e perdurável da virtù, da combatividade política, da combinação de força e astúcia, da intervenção da inteligência estratégica.
O defensivismo político, associado a uma série de erros e crises, derrubou a popularidade de Lula e do governo. Muitos passaram a vislumbrar um cenário adverso para as eleições de 2026 e perspectivas de derrota. Os meios operacionais da Fortuna são o contingente, o acaso e o imprevisto. Foi através deles que a carta e o tarifaço de Trump chegaram na forma de uma ocasião excepcional para Lula, o governo e as esquerdas. O momento é agora. Deixá-lo passar pode resultar no cálice amargo de uma derrota destrutiva.
Os analistas oferecem algumas hipóteses explicativas para tentar entender a ação de Trump: incômodo com o papel do Brasil nos BRICS, estreitamento das relações Brasil-China, tentativa de reposicionamento do papel dos Estados Unidos na América Latina, irritação com as ações do STF visando à regulamentação das big techs e pressão para barrar o julgamento de Bolsonaro e dos golpistas. Os dois últimos pontos ficaram explícitos na carta de Trump. Ele manifestou também o entendimento de que Bolsonaro deve estar livre e apto para concorrer às eleições de 2026.
Essas hipóteses são plausíveis. A mídia e diversos analistas, a exemplo do economista e Prêmio Nobel Paul Krugman, enfatizam o caráter político e ideológico, não racional nem econômico, do tarifaço de Trump contra o Brasil. A justificativa contida na carta não arrola nenhum interesse de Estado dos Estados Unidos para adotar o tarifaço. Por isso, ele seria ilegal e de caráter punitivo. O Brasil, nesses termos, estaria sofrendo uma medida de retaliação que foge da natureza das justificativas dadas por Trump aos tarifaços impostos a outros países.
Esse aspecto central explicitado na carta de Trump não pode ser desconsiderado e passar para um plano secundário. A solução de todos os problemas identificados pelo governo Trump em relação ao Brasil e ao governo Lula deságua nas eleições presidenciais de 2026. Impedir a reeleição de Lula (ou de um candidato que o represente) parece ser o objetivo principal da investida trumpista, municiada pelos Bolsonaros e por Steve Bannon. Nos dias que antecederam o tarifaço, Bannon havia antecipado a ira do presidente e que viria chumbo grosso contra o governo brasileiro.
A derrota do campo progressista e a vitória do bolsonarismo ou de uma versão atenuada do mesmo nas eleições de 2026 equacionariam vários problemas, tanto para os Estados Unidos quanto para a extrema-direita. O Brasil teria seu papel esvaziado nos BRICS e na sua relação com a China, redefiniria seu papel como líder regional na América do Sul, poderia operar um papel mais colaborativo com os Estados Unidos na região e, do ponto de vista político e ideológico, poderia articular uma atividade mais assertiva no fortalecimento da extrema-direita global.
Mas qual foi o cálculo do trumpismo se nas escaramuças tarifárias contra outros países, a exemplo do Canadá e da Austrália, resultaram na derrota da direita e na vitória de candidatos mais progressistas? No México, a presidente esquerdista, Cláudia Scheinbaum, se fortaleceu na opinião pública.
Note-se que, no caso do Brasil, além de o governo e Lula se encontrarem num momento de baixa popularidade, o tarifaço veio logo depois de o Congresso ter imposto dura derrota com a derrubada do decreto do IOF. Parece não ter sido mera coincidência. Bannon e os Bolsonaros podem ter avaliado que o momento de promover uma virada pró-anistia no Congresso era agora. A reação do governo e de setores produtivos prejudicados pelo tarifaço, no entanto, frustrou essa expectativa.
Derrotar Lula em 2026 tem outro objetivo estratégico. O mundo está passando por uma crise e uma transição civilizacional. Duas grandes linhas se confrontam. Uma quer sustentar as conquistas alcançadas em termos de um mundo multilateral e cooperativo, de democracia, de liberdade, de direitos humanos e de valores humanísticos. Quer estancar a crise ambiental.
Outra linha busca restaurar um passado tradicionalista, conservador, autoritário, negador dessas conquistas e dos direitos, negacionista da crise climática, das liberdades básicas e dos valores humanos. Conta com a revolução digital e tecnológica para fortalecer a manipulação e um sistema de controle global. Trata-se de viabilizar um modelo de fascismo tecnológico. As disputas de espaços geopolíticos, de recursos de poder, do domínio tecnológico e da expansão da dominação espacial são aspectos centrais dessa disputa civilizacional.
Nos termos dessa disputa, derrotar Lula em 2026 se insere nesse contexto da disputa civilizacional. Lula, de alguma forma ou de outra, representa uma liderança paradigmática na construção de um projeto civilizacional de futuro. Derrotá-lo significaria não só bloquear o desenvolvimento dessa perspectiva civilizacional em parte importante do mundo, mas consistiria também em derrotar o seu legado político, o legado significante em termos de políticas públicas que procuraram combater a pobreza, a fome e a desigualdade.
A liderança simbólica de uma perspectiva civilizacional que Lula vem exercendo domina o cenário brasileiro e está presente no hemisfério sul há 30 anos. Uma derrota em 2026 significaria um destroçamento significativo do legado desse empreendimento. Significaria dizer que esse esforço e esse empreendimento fracassaram. Seria uma despedida melancólica do que essa Era Lula representa.
As eleições de 2002 e de 2006 expressaram um esforço pela afirmação de um projeto, de uma perspectiva de futuro. Projeto e perspectiva que foram profundamente abalados pelo golpe, pelo governo Temer e pela vitória de Bolsonaro em 2018. A perspectiva civilizacional autoritária que então se desenvolveu não foi derrotada com a vitória de Lula em 2022. Ela continua viva e política e eleitoralmente competitiva. Esses processos jogaram o Brasil numa encruzilhada. As eleições de 2026 parecem estar destinadas a definir a escolha do caminho a seguir. É preciso entrar nelas com essa consciência.
Por isso, pelo que elas representam, e por colocarem em jogo o legado histórico da liderança de Lula e de seu significado simbólico, essas eleições serão a maior batalha de tantas que Lula travou em sua vida. E não há alternativa: é vencer ou vencer.
Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.