A Lacuna Orçamentária e a Banalização das Pautas LGBTQIAPN+ no Rio: O Urgente Retorno da Representatividade no Congresso
A lamentável ausência de corpos viventes no parlamento federal deixou uma fragilidade orçamentária gritante para a população LGBTQIAPN+ fluminense
A Corpolítica e o Orçamento em Jogo
A representatividade política transcende a mera inclusão simbólica; ela é um pilar fundamental para a alocação de recursos e a efetivação de políticas públicas. No universo LGBTQIAPN+, a presença de parlamentares que compartilham e compreendem as vivências da comunidade é crucial, pois suas prioridades e direcionamento de verbas refletem uma compreensão visceral das necessidades. Este artigo explora o impacto da ausência de deputados federais abertamente LGBTQIAPN+ do Rio de Janeiro, como Jean Wyllys e David Miranda, na destinação de emendas parlamentares, e como essa lacuna abre espaço para a mercantilização de pautas por parlamentares cis-heteronormativos, especialmente em um estado com um forte levante conservador.
A Vanguarda dos Mandatos e a Complexidade das Vulnerabilidades
O Rio de Janeiro, em um passado recente, teve a força de deputados federais abertamente LGBTQIAPN+ que, por sua vivência na pele, priorizavam emendas para áreas essenciais à comunidade. Jean Wyllys e David Miranda, em seus mandatos, foram figuras chave nesse processo. A profundidade dessa atuação é bem descrita pelo próprio Jean Wyllys:
“Na minha avaliação, especialmente assim, os meus mandatos faziam algo muito inédito e muito precoce na política brasileira, né, que era observar as questões da esquerda tradicional, as questões históricas da esquerda, como a luta de classes, a redução da pobreza, a extensão do estado do bem-estar social a todo mundo. Então era uma agenda que eu trabalhava de maneira muito ferrenha, mas ao mesmo tempo, trabalhando essa agenda, eu trabalhava as vulnerabilidades específicas de grupos ou de indivíduos. Eu levava em conta as diferentes posições de sujeitos que o indivíduo ocupa.
Se a gente pensar no tema comum, o da taxação, por exemplo: um mendigo que esmola na rua, quando obtém esmola e vai comprar arroz e feijão, paga o mesmo preço de um milionário. Ou seja, ele tem essa vulnerabilidade de classe, mas também uma vulnerabilidade que vem da cor da pele. Se ele for preto, pode morrer a qualquer momento pela polícia, que o confunde com um ladrão. Se ele for um homeless gay, ainda carrega outra vulnerabilidade, que vem da orientação sexual e que também pode levá-lo à morte. Enfim, eu fiz esse trabalho: foram dois mandatos muito de vanguarda. Nem mesmo a esquerda institucional compreendia bem o que significavam.”
Essa visão de vanguarda garantiu que o orçamento da União fosse direcionado para políticas de saúde (incluindo ações de HIV/AIDS), fomento à Parada LGBTQIAPN+, iniciativas culturais e projetos de moradia popular. Jean Wyllys ressalta ainda o trabalho com as emendas:
“O trabalho que eu fiz com as emendas, a transparência em relação a elas, a democratização da aplicação levando em conta os movimentos sociais e o trabalho dos movimentos sociais, que precisam ser financiados. Se não, o neoliberalismo toma e a agenda passa a ser do neoliberalismo, e não uma agenda de verdade.”
A atuação desses parlamentares assegurava um fluxo de recursos para demandas específicas, muitas vezes negligenciadas nas agendas políticas tradicionais. A lamentável ausência desses corpos viventes no parlamento federal deixou uma fragilidade orçamentária gritante para a população LGBTQIAPN+ fluminense.
O Levante Conservador e o “Rainbow Washing” em Ação
No vácuo de representatividade deixado no Congresso, observa-se no Rio de Janeiro uma preocupante mercantilização da pauta LGBTQIAPN+ por parte de parlamentares cis-heteronormativos. Eles frequentemente destinam o mínimo de recursos ou se utilizam da retórica da causa sem um compromisso financeiro e político profundo. Essa prática, que podemos chamar de “rainbow washing” legislativo, cria uma falsa sensação de progresso, mascarando um real retrocesso nas políticas públicas essenciais.
Jean Wyllys, ao comparar o cenário atual, lamenta:
“Eu lamento que depois de mim, na minha saída, nem mesmo David conseguiu fazer a mesma coisa. Claro, tem uma diferença de formação, idade e experiência, mas ele não conseguiu. Hoje, nossa representante é a Erika Hilton, digamos assim, a que representa essa comunidade. Comparando os mandatos dela com os meus, ela repete algumas coisas, toma algumas diretrizes, mas também faz outra coisa muito ligada ao campo da visibilidade.”
Enquanto figuras como Erika Hilton (SP) e Duda Salabert (MG) demonstram o poder da representatividade ao canalizar milhões para a cultura LGBTQIAPN+, atendimento à saúde integral e moradia popular em seus respectivos estados, o Rio de Janeiro amarga a carência, vítima de um forte levante conservador que mina a continuidade dessas ações. A comunidade corre o risco de se deixar enganar por gestos vazios.
Reafirmando a Corpolítica: O Chamado por Autêntica Representação
É urgente que o Rio de Janeiro retome uma representatividade autêntica no Congresso Nacional. Somente um corpo que vivencia as realidades LGBTQIAPN+ consegue compreender a profundidade das necessidades e a urgência dessas políticas públicas. Nesse contexto, a pré-candidatura de Benny Briolly à deputada federal emerge como um chamado contundente para essa renovação. E mais que isso, nos faz pensar se de fato o Brasil já está preparado emocionalmente para lidar com mulheres que representam a força trabalhadora daquelas que eram apenas jogadas ao trabalho doméstico ultradesvalorizado e/ou a prostituição como no casos de mulheres trans negras historicamente. Dani Balbi, Indianarae Siqueira, Jaqueline Gomes De Jesus, Tatiana Crispim são algumas das mulheres trans negras que ousaram se arriscar nas políticas cariocas, a maioria com sucesso!
Benny ressalta:
“Quero ressaltar o quanto a minha trajetória no parlamento me leva através de demandas históricas dos movimentos sociais. Por exemplo, sou autora da primeira lei de combate ao transfeminicídio no Brasil. Eu me perguntei por que tantos parlamentares de esquerda, no Rio de Janeiro e no Brasil, nunca criaram uma lei dessa autoria, já que o Brasil é o país que mais mata pessoas trans segundo os dados coletados pelo Trans GenderEurope- TGEu?
Vi de perto demandas culturais, de produção cultural, de saúde integral e de enfrentamento às violências e violações diárias contra a população LGBTQIAPN+. Surge uma necessidade de uma pré-candidatura minha ao Congresso Nacional. Se é o que o movimento quer, se é o que o meu povo quer, eu estou disposta e confiante para enfrentar esse novo desafio. Em Brasília, farei o que for preciso para garantir os direitos culturais, sociais e econômicos da nossa população.”
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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