Grande dia!
Alexandre ali, daquele microfone diante de si, delimitava o antes e o depois do julgamento das nossas vidas
Às 9h19, o ministro Alexandre de Moraes iniciou a leitura e a apresentação do seu tão aguardado voto. Desta vez, voltou à gravata em tom pastel (rosa), como se viesse a público dizer: "Ufa! Missão cumprida". Estava leve.
Ajeitando-se na cadeira, entrou direto na eliminação das discussões trazidas nas preliminares pelas defesas, como o descrédito da delação premiada de Mauro Cid e a junção dos artigos 259 L e 259 M. Esclareceu de forma límpida a diferença entre um e outro e a participação dos réus, sim, nos dois crimes dos cinco a que estão submetidos: crime de tentativa de golpe contra o Estado e crime de abolição violenta contra o estado de direito. Gastou nessa tarefa de 9h19 às 9h48 para contestar todas as notas das defesas.
Certamente reprovará a menção à cor de sua gravata, tal como fez logo no início da sua exposição – a propósito de uma observação da defesa de um dos réus, se não me engano José Luiz de Oliveira Lima, de Braga Netto, que quis inserir na discussão sobre a delação de Mauro Cid uma interpretação do uso das mãos na acareação entre ele e seu cliente. "Não se trata de um julgamento psicológico, mas jurídico", reagiu. Modéstia. Moraes estava, naquele momento, mexendo com os nervos de quem tivesse sentimento pelo país.
A história escorria por suas palavras, que caminhavam de volta à era do medo, da ansiedade e do pavor do retorno a uma ditadura que durou 20 anos (palavras do ministro), porque um grupo político não sabe perder a eleição e não aceita a alternância de poder, como explicou já no adiantado de sua fala. Alexandre ali, daquele microfone diante de si, delimitava o antes e o depois do julgamento das nossas vidas. O nosso destino estampado nas folhas de A4 que segurava entre os dedos.
Levou, desta vez, 42 minutos para se socorrer ao copo d'água à sua frente, certamente motivado pela secura de Brasília, mas também pela emoção que costuma sugar os líquidos da boca em situações como essa. Depois de capinar do caminho que percorria todos os prolegômenos das preliminares e queixas das defesas – que desconhecem o "Ctrl F" para pesquisar documentos extensos –, chegou, finalmente, ao que todos nós aguardávamos: a descrição detalhada da exposição dos fatos.
Nesse exercício, às 10h06, citou pela primeira vez o nome de Jair Bolsonaro ao se referir ao primeiro crime, o de tentativa de derrubada do poder eleito, enquanto explicitava o segundo, exibindo documentos que configuravam o de grave ameaça da abolição do estado de direito, ilustrando sua fala com os exemplos: o fechamento do Congresso ou o aumento do número de juízes da Corte, como chegou a cogitar Jair Bolsonaro. "Isto permite a quem está no poder impedir a alternância do poder ou, independentemente da Constituição, se perpetuar no poder". A esta altura, aludiu à PGR, que demonstrou esses dois crimes, segundo descreveu.
Deteve-se, aí, a descrever uma sucessão do que chamou de "procedimentos delitivos", com o claro objetivo de "derrubada do sistema de freios e contrapesos, impedindo a chegada do governo legitimamente eleito", disse.
Alexandre de Moraes até então exibia o trabalho detalhado a que se debruçou nos últimos anos para esse grande dia. Mas foi a partir desse ponto que deixou claro como água a historiografia do golpe. Passou a nos levar por um verdadeiro passeio entre o dia da live de junho de 2021 – quando Bolsonaro teve na plateia os seus fiéis cúmplices –, o general Augusto Heleno e o então ministro da Justiça Anderson Torres, num exaustivo empenho de exibir ao distinto público, sem mostrar uma mísera prova, o descrédito às urnas que gerariam a fraude na eleição vindoura de 2022.
Essa verdadeira "virada" no jogo para cima da defesa de Augusto Heleno, ex-chefe do GSI, do ministro Anderson Torres e do ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio de Oliveira se deu às 10h15, quando Moraes nos levou a rever todos os fatos perpetrados pela gangue de Jair Bolsonaro rumo ao 8 de janeiro. Tanto para os estudantes de Direito quanto para leigos, os que se condoeram com as tentativas de golpe, os amantes da democracia e os que torcem por ela, esse foi um dos pontos altos de sua exibição.
Como num passe de mágica, os documentos do ex-chefe da Abin Alexandre Ramagem começaram a conversar com a agenda de Augusto Heleno e com a live de Bolsonaro, de maneira tão contundente quanto crível. Às 10h34, o diálogo já ia longe, com Moraes descrevendo o entusiasmo de Ramagem, que afirmava a Bolsonaro que, pelas suas análises e o suporte dos documentos – ou "diários", como o ex-chefe da Abin preferiu chamá-los –, em seu poder, a sua vitória era garantida e já no primeiro turno.
Às 10h42, a fala do ministro estabelecia a ligação entre Jair, Ramagem e Augusto Heleno, bem como às 10h47 Moraes trazia para a trama o almirante Garnier, ligando-o também aos documentos de Ramagem. Entraram em cena, desta feita, Marcelo Bormevet e seus funcionários experts no sistema FirstMiles e, ainda, comentários entre os diretores da Abin Paulo Maurício e Paulo Magno, dando conta de que o general Ramos – que passou batido nesse processo – e o general Heleno davam notícia de que Ramagem emitia ordens de monitoramento àquela altura. Bormevet, em seu depoimento, cita Moraes, chegou a dizer que fez 887 pesquisas no FirstMiles, além de consignar que "robôs" passaram a disseminar o material desses monitoramentos.
Às 10h59, o ministro cita a presença de Augusto Heleno e Anderson Torres na live de 29 de julho de 2021, feita por Bolsonaro, onde se lia em um cartaz estrategicamente colado à parede: "Não há credibilidade na Justiça eleitoral". Nessa live, destaca Moraes, o então presidente pede apoio de Augusto Heleno e das Forças Armadas. Ao arrematar essa fase do golpe, deixou costurada claramente a união entre Augusto Heleno, Ramagem e Anderson Torres.
Com o fôlego de quem estava iniciando os trabalhos naquela hora (11h03), Alexandre de Moraes passou a tratar de uma entrevista concedida por Jair Bolsonaro no dia 3 de agosto de 2022, quando tentava colocar o então presidente do TSE, Luiz Roberto Barroso, contra a parede. Nas palavras do então presidente, ele ia colocar o povo na Av. Paulista contra Barroso "como último recado". E caminha para o 7 de setembro de 2021, repetindo todas as frases de efeito de Jair, mais ameaças, e passa a descrever a reunião de 5 de julho de 2022.
Se ao falar de Augusto Heleno Moraes trouxe detalhes da tal agenda do golpe que o grande público desconhecia, ao descrever essa reunião o ministro brilhou. Reconstituiu cada fala, cada reação, chamando a atenção para o fato de que numa reunião que se pretendia "ministerial" estavam os comandantes das Forças Armadas e o candidato a vice na chapa de Bolsonaro, o general Walter Braga Netto, o que não é usual.
Fosse isso um filme, diríamos que, depois de deslindada e devidamente analisada a reunião, poderia aparecer na tela aquelas frases: "todos os participantes desta trama, sob forma de reunião, acabaram arrolados e incursos como réus em cinco tipos de crimes. No dia 9 de setembro de 2025, enfrentaram a fase final do julgamento".
Sobe letreiro. Porém, o ministro Alexandre de Moraes continua o seu trabalho de leitura do seu voto, entrando em detalhes dos personagens fardados. Como é preciso acompanhar isso com muita atenção, a autora desse texto vai agora se dedicar a acompanhar o resto do julgamento, cujo resultado nós aguardamos por seis longos anos, com ansiedade. Nosso agradecimento ao ministro Alexandre de Moraes por tanta doação. Que a Justiça seja feita!
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.