A jogada do Hugo Motta com o governador Tarcísio que protege facções
'O modelo de segurança defendido pela extrema-direita serve de biombo para esconder a natureza criminosa dos partidos que o defendem ardorosamente'
Hugo Motta bancou a designação de Guilherme Derrite/PP para relatar o Projeto de Lei Antifacção, uma iniciativa do governo federal.
Este pupilo de Eduardo Cunha e Arthur Lira que aplica Gumex no cabelo para parecer-se um “adulto político” afirmou que indicar relatores de projetos é uma prerrogativa do presidente da Câmara, e que, enquanto tal, ele “escolhe quem quiser”.
A coreografia da escolha de Derrite deixa claro que foi um jogo armado entre o presidente da Câmara e o governador bolsonarista Tarcísio de Freitas, o mais cotado para representar o bloco de direita e extrema-direita na próxima eleição presidencial.
A oposição extremista tenta sair do deserto político criado pela pauta monotemática da anistia e se agarra na exploração demagógica e sensacionalista do combate ao crime como estratégia eleitoral para 2026.
O presidente Lula assinou o PL Antifacção dia 31 de outubro. Em reação a esta iniciativa, no dia 5 de novembro o Diário do Estado de São Paulo publicou decreto com a licença de Derrite do cargo de Secretário da Segurança para assumir o mandato de deputado federal.
Apenas dois dias depois, em 7 de novembro, Motta então formalizou Derrite na relatoria do PL, e, em poucas horas, o secretário licenciado do Tarcísio entregou o relatório que desfigurou totalmente o projeto original elaborado pelo governo.
É evidente que Derrite assumiu a relatoria trazendo o texto pronto, provavelmente escrito nos gabinetes do governador de São Paulo e de deputados e senadores encrencados.
O texto apresentado à jato com as ideias-força do bolsonarismo tem pelo menos duas propostas escandalosas.
A primeira delas equipara organizações criminosas a terrorismo, classificação que permite a ingerência dos EUA no Brasil e sanções econômicas; e a segunda impede a participação da PF em investigações do crime organizado, o que na prática significa um mecanismo de proteção das facções criminosas.
Como descreveu Maria Cristina Fernandes no Valor Econômico [11/11], o relatório de Derrite carrega “as intenções de quem pretende usar um tema de forte apelo popular para proteger seus próprios interesses”.
A colunista entende que “ao tirar a PF do crime organizado, o Congresso está, na verdade, blindando a si mesmo” em relação ao esquema industrial de corrupção via emendas do orçamento secreto que, assim como o crime organizado, também lava o dinheiro roubado nas fintechs.
A proteção pretendida pela extrema-direita a organizações criminosas e milícias não chega a surpreender.
O projeto de anistia defendido por Tarcísio no comício da Paulista previa uma anistia de tal modo ampla, geral e irrestrita que beneficiaria inclusive membros de “organização criminosa, associação criminosa ou [que participam da] constituição de milícia privada”.
Motta repetiu no processo de votação açodada do PL Antifacção o mesmo açodamento que adotou com a PEC da Bandidagem, mal chamada de PEC das Prerrogativas, colocada em votação relâmpago por ele e depois arquivada por unanimidade no Senado devido à irresistível pressão popular.
As atitudes idênticas do presidente da Câmara nos dois episódios se interligam pelo mesmo interesse de blindar a súcia do Congresso, e essa blindagem que impede o trabalho da PF beneficia, também, as facções criminosas e as milícias, com as quais muitos parlamentares mantêm vínculos.
O modelo de “bukelização” da segurança pública defendido pela extrema-direita serve de biombo para esconder a natureza criminosa dos partidos e dos políticos que o defendem ardorosamente.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.


