A grande distância moral que separa Lula da imprensa brasileira
A jogada rasteira é nítida: ofuscar o melhor momento vivido pelo governo Lula, deixando de lado o sucesso diplomático com Trump
Embora desgastado, o conhecido clichê "o político tradicional pensa na próxima eleição, enquanto o estadista se preocupa com a próxima geração" cai como uma luva para a postura do presidente Lula em relação à chacina cometida pelas forças policiais do estado do Rio de Janeiro nos complexos do Alemão e da Penha.
Consciente de que há situações na vida de um governante em que é necessário mandar às favas os cálculos políticos e eleitorais, mesmo que o preço a pagar em termos de popularidade seja alto, Lula fez o que dele se espera e foi fiel à sua trajetória ao condenar o extermínio de 121 pessoas.
Falaram mais alto o compromisso de Lula com os direitos humanos mais elementares e com a preservação da vida, o bem maior de todo ser humano.
Sem subterfúgios, o presidente deu o nome certo para o episódio macabro, tratando-o como "matança", lembrando ainda que a ordem da justiça era para prender 69 pessoas, mas nenhuma dessas foi presa, e não para matar. Ele chamou a atenção também para a morte de quatro policiais, definindo a operação, com precisão, como "desastrosa."
A reação da mídia comercial à fala de Lula, puxada pelas Organizações Globo, foi uma vergonha. A Globo claramente mudou de posição, migrando de uma visão crítica quanto à eficácia desse tipo de operação para o apoio descarado, o que logo se refletiu nos comentários de seus profissionais.
A guinada pró-matança dos veículos da família Marinho foi explicitada em editorial do jornal O Globo, que teve como base o argumento mentiroso e patético da necessidade de o Estado retomar territórios controlados pelo crime organizado, no caso o Comando Vermelho.
Que retomada, cara-pálida? A polícia subiu o morro, executou dezenas de jovens ligados ao tráfico e outro tanto apenas suspeitos, e até inocentes, e se retirou.
Aposto que neste momento todos os pontos de venda de drogas na Penha e no Alemão seguem em pleno funcionamento, com a mão de obra prontamente reposta. Esse é o problema histórico da necropolítica copiada por Cláudio Castro de outros mandatários do Rio. Não chega a fazer cócegas na estrutura do crime organizado e serve apenas ao clamor por sangue e vingança presente na sociedade brasileira.
Isso em um país em que não existe pena de morte.
No fundo, o que a Globo faz é pegar carona na operação macabra para distorcer os fatos, a realidade e a legislação, visando atingir o governo Lula. A Constituição é clara ao conferir aos estados a responsabilidade pela segurança pública. Só que a gestão catastrófica de governos como o de Cláudio Castro e outros governadores nessa área levou o governo federal a buscar um protagonismo maior da União através da apresentação da PEC da Segurança Pública e, agora, do projeto antifacção.
Os governadores bolsonaristas são virulentamente contra a PEC da Segurança. Mas a culpa é Lula. A sensação de insegurança no Rio é a maior de todos os tempos. Mas a culpa é do Lula. Os aparelhos de segurança pública dos governos do Rio e São Paulo não investem o necessário em inteligência e investigação e não seguem o óbvio caminho do dinheiro para desbaratar as quadrilhas do crime organizado. Mas a culpa é do Lula.
A jogada rasteira é nítida: ofuscar o melhor momento vivido pelo governo Lula, deixando de lado o sucesso diplomático com Trump, e até a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, e colocando no topo da agenda política nacional a questão da segurança pública.
Contando com o auxílio luxuoso de grande parte da imprensa, não há como negar que deu certo. Contudo, erraram no timing, pois ainda faltam 11 meses para a eleição presidencial.
O passo seguinte serão as pesquisas oportunistas de sempre, apontando a queda na aprovação do governo Lula devido às suas declarações em defesa da vida. Aliás, só a ideia de realizar uma pesquisa em um ambiente contaminado pela comoção já é em si uma picaretagem.
Imagino o tipo de pergunta maniqueísta e tendenciosa que será feita ao pesquisado. Como lembrou uma amiga, duvido que incluam no questionário a seguinte indagação: "se você tivesse um filho ou outro parente envolvido com o tráfico, você preferia que ele fosse preso conforme manda a lei ou decapitado pela polícia?"
PS: É um ato explícito de sabotagem e provocação a indicação, por parte do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, do secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, como relator do projeto antifacção do governo federal. Derrite, que pediu licença do cargo para relator o projeto, é um conhecido defensor da violação de direitos humanos no "combate" ao crime e certamente vai priorizar a equiparação do crime de tráfico ao de terrorismo, abrindo caminho para intervenções dos EUA no Brasil.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.



