A falsa liberdade dos “empreendedores de si mesmos”
A promessa neoliberal de liberdade se revelou uma armadilha
Nos últimos anos, testemunhamos a ascensão de um novo modelo de trabalho que, sob a roupagem da inovação e da liberdade, escancara uma realidade de precarização e abandono. A chamada “uberização” do trabalho não é sinônimo de autonomia, mas de insegurança, sobrecarga e ausência de direitos. No Brasil, esse fenômeno ganhou força com o avanço das plataformas digitais: Uber, iFood, 99 e tantas outras que se apresentam como espaços de oportunidade, mas funcionam como verdadeiras fábricas de exploração.
Essas empresas vendem aos seus trabalhadores a ilusão de que são empreendedores autônomos, donos do próprio negócio, livres para escolher quando e como trabalhar. Mas a realidade é outra. Entregadores e motoristas se veem reféns de algoritmos, expostos a metas inatingíveis, jornadas exaustivas e avaliações constantes feitas por usuários. Sem vínculo formal, estão sujeitos ao descaso: não têm acesso a previdência, seguros, proteção contra acidentes ou qualquer forma de apoio em momentos de crise.
O discurso do “esforço individual” se tornou o novo chicote. O fracasso, nos dizem, é falta de empenho. A pobreza é culpa da preguiça. Mas esse pensamento ignora as desigualdades históricas e estruturais que moldam a vida da maioria da população brasileira. É mais fácil responsabilizar o indivíduo do que repensar um sistema que favorece poucos e marginaliza milhões.
Essa lógica encontra reforço, ainda, na instrumentalização da fé. A teologia da prosperidade, cada vez mais presente nas periferias, transforma a precariedade em provação espiritual, e o sucesso financeiro, em bênção divina. Ao invés de questionar a exploração, muitos trabalhadores passam a aceitá-la como um destino inevitável, esperando que Deus recompense sua paciência e sacrifício.
Talvez o mais inquietante seja ver parte significativa desses trabalhadores, mesmo vivendo à margem, apoiar projetos políticos que defendem justamente a redução do Estado e o desmonte de direitos. Não é contradição. É tragédia ideológica. Muitos sonham em ascender não para transformar a estrutura, mas para um dia ocupar o lugar do opressor. É o velho ciclo do “cada um por si” elevado à condição de projeto nacional.
A promessa neoliberal de liberdade se revelou uma armadilha. Escolher entre trabalhar doze horas por dia ou passar fome não é liberdade. É chantagem. E enquanto muitos seguem comprando essa narrativa, as grandes corporações lucram e os trabalhadores continuam carregando nas costas um sistema que o despreza e manipula. A precarização não é um cenário futurista. É a realidade do presente. E, como toda escolha política, pode e deve ser transformada.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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