A acumulação de capital na era neoliberal
A era neoliberal marcou a desregulamentação, a financeirização da economia e a intensificação das desigualdades sociais no Brasil e no mundo
O esgotamento do ciclo longo expansivo no segundo pós-guerra foi o momento, para o liberalismo, de reconquistar espaço, a partir do seu diagnóstico da crise. O novo liberalismo afirmava que as economias haviam parado de crescer devido ao excesso de regulamentação, às travas à livre circulação do capital e aos gastos excessivos do Estado.
O neoliberalismo propunha a remoção dos obstáculos à livre circulação do capital, que assim voltaria a investir, as economias voltariam a crescer e todos ganhariam com isso. As desregulamentações tornaram-se, assim, a chave da introdução das políticas neoliberais.
Privatizar é desregulamentar, é tirar empresas da esfera estatal e jogá-las no mercado. Abrir os mercados nacionais é outra forma de desregulamentação, suprimindo a proteção que o Estado oferecia. A promoção do trabalho precário retira os direitos dos trabalhadores, desregulamentando as relações de trabalho.
O que o neoliberalismo chama de flexibilização laboral é uma forma específica de atentar contra os direitos trabalhistas, permitindo que o capital contrate nas condições que melhor lhe convenham. É uma forma particularmente insidiosa, porque se vale de expressões atraentes — flexibilização, informalização —, quando na verdade se trata realmente da precarização das relações de trabalho, da superexploração do trabalho, da expropriação dos direitos dos trabalhadores. É a proliferação do trabalho sem carteira assinada e sem os direitos correspondentes.
Em seu conjunto, as distintas formas de desregulamentação promoveram uma gigantesca transferência de capitais do setor produtivo para o financeiro, sob sua forma especulativa, porque, como sempre alertava Marx, o capital não existe para produzir, mas para acumular riquezas, da forma que lhe pareça melhor.
Liberados das travas nacionais e de outra ordem, instaurado o livre-comércio em escala global, esses capitais foram buscar lucros na especulação. Valem-se do endividamento de países, de empresas, de pessoas; concentram-se nas bolsas de valores, onde ganham mais que nos investimentos produtivos, pagam menos impostos e têm liquidez praticamente total.
Se no ciclo longo anterior do capitalismo o setor hegemônico na economia era o das grandes corporações multinacionais de caráter industrial — do qual a indústria automobilística era o melhor exemplo —, no novo período, a hegemonia passou a estar em mãos do sistema bancário e do capital financeiro, em sua modalidade especulativa.
Não é mais o capital financeiro que financia a produção, o consumo, as pesquisas, mas o que vive do endividamento, das altas taxas de juros, da compra e venda de papéis. Quando, no final de cada dia, se anuncia que a Bolsa de Valores teve um movimento de tantos milhões, não se produziu nem um bem, nem um emprego: apenas se compraram e venderam papéis.
No Brasil, por exemplo, o setor automobilístico chegou a representar 25% do PIB, entre produção de veículos, conserto, turismo e construção de estradas. A indústria automobilística brasileira continuou a se expandir, a produzir muito mais veículos que antes, porém a espinha dorsal da economia passou a ser ocupada pelo sistema financeiro. Não se trata de que existam empresários bons, que produzem, e ruins, que especulam. Todas as grandes corporações têm um banco ou um setor financeiro à sua cabeça e, em geral, ganham mais nessas atividades do que nas que eram originalmente suas.
Esses mecanismos promoveram a mais brutal reconcentração de riquezas em escala global, seja entre as regiões do mundo, seja entre os países ou dentro de cada país, com a intensificação correspondente das desigualdades sociais. Os conglomerados internacionais passaram a concentrar grande parte da renda em escala mundial. O sistema financeiro tornou-se a espinha dorsal da economia capitalista em cada país e na economia global, na era neoliberal.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.