Quem são os eleitores que rejeitam a extrema direita em Argentina, Brasil e Chile
Pesquisa revela o perfil do eleitorado que rejeita Javier Milei, Jair Bolsonaro e José Antonio Kast nos países da América Latina
247 - Um estudo da Fundação Friedrich Ebert (FES), vinculada ao Partido Social-Democrata da Alemanha, traçou um amplo retrato dos eleitores da América do Sul que rejeitam a ascensão da ultradireita. A pesquisa, realizada na Argentina, no Brasil e no Chile, mostra que cerca de 60% do eleitorado desses países se opõe a esse campo político, enquanto um terço ainda o apoia.
Segundo o levantamento publicado pelo jornal El País, a rejeição à extrema direita não se concentra em um único bloco ideológico. Em vez disso, ela se distribui entre diferentes grupos sociais, econômicos e culturais — que vão de setores populares religiosos a jovens urbanos progressistas. O estudo utilizou o método de “Análise de Classes Latentes” para identificar padrões de comportamento político em 5,5 mil entrevistas presenciais realizadas no final de 2023.
Brasil: a diversidade do voto antibolsonarista
No Brasil, o cenário se mostra fragmentado e territorializado. O eleitorado que rejeita o ex-presidente Jair Bolsonaro se distribui em quatro grandes grupos.
Os jovens urbanos progressistas formam quase um terço do total e se concentram nas grandes cidades do Sudeste. São em sua maioria homens, com escolaridade média ou alta, e identificam-se como ateus ou sem religião.A classe média católica do Nordeste (16,7%) se caracteriza por uma base religiosa sólida e escolaridade mais baixa, mas com forte presença feminina. Já o sul popular católico (32,4%) — o grupo mais numeroso — combina setores populares e de classe média que rejeitam o bolsonarismo com firmeza, especialmente pelas políticas de armamento e pela retórica autoritária.
Por fim, o Nordeste feminino e popular, que representa um quarto dos entrevistados, é o grupo mais homogêneo em sua oposição a Bolsonaro. Fortemente católico e de classe baixa, esse segmento rejeita o armamentismo e a radicalização política, mas apresenta divisões internas em relação a temas morais como o aborto e o feminismo.
A rejeição a Milei na Argentina
Na Argentina, quatro perfis principais se destacam entre os que rejeitam o presidente Javier Milei. O primeiro é o da juventude popular, com forte presença de mulheres jovens e pertencente aos estratos sociais mais baixos. Esse grupo, que reúne quase 10% dos entrevistados, é o mais radical em seu rechaço ao governo liberal: mais de 93% afirmam que “definitivamente não” votariam em Milei.
O segundo grupo, o bloco progressista educado, representa quase metade da amostra (45,8%) e é formado majoritariamente por pessoas com ensino superior, de classe média e urbana. Já o conservadorismo popular católico (12,5%) agrega setores mais velhos, religiosos e de baixa escolaridade. Por fim, o centro católico de classe média, com 32% dos entrevistados, é o menos radical na rejeição, mas ainda expressa resistência à agenda ultraliberal do governo.
O estudo aponta que, embora esses grupos discordem em temas morais como aborto e feminismo, todos compartilham um desejo de “ordem sem ultradireita”, defendendo a autoridade do Estado sem recorrer à violência ou à liberalização das armas.
Chile: os que se opõem a José Antonio Kast
No Chile, onde o ultraconservador José Antonio Kast aparece como favorito para as eleições de 2026, a pesquisa também revela uma ampla base social contrária à ultradireita.
As mulheres populares a favor da redistribuição representam um terço do eleitorado anti-Kast e concentram-se nas camadas de baixa renda. O grupo dos progressistas radicais (11%), composto por jovens urbanos e seculares, apresenta alta escolaridade e forte identidade ideológica.
O centro pluralista, que reúne 41,2% dos entrevistados, é o segmento mais numeroso: formado por cidadãos de classe média e alta, com baixa identificação religiosa e posturas moderadas. Já os conservadores moderados (14,9%) são mais velhos, majoritariamente católicos e mostram certa indiferença em relação ao candidato da ultradireita.
Mesmo dentro dessa coalizão contrária a Kast, há contradições: o apoio a políticas redistributivas convive com tolerância à “mão dura” na segurança e discursos mais duros sobre imigração. Ainda assim, o estudo conclui que o custo simbólico de apoiar a ultradireita continua sendo maior do que as divergências em temas morais.
Democracia e igualdade como denominadores comuns
Apesar das diferenças nacionais e culturais, o levantamento da Fundação Friedrich Ebert destaca pontos convergentes entre os eleitores que rejeitam a ultradireita na região. Eles compartilham uma defesa firme da democracia como regime “sempre preferível”, apoiam políticas públicas redistributivas e valorizam o papel do Estado como garantidor da segurança e da ordem — sem recorrer ao autoritarismo.


