Junho é o mês dos Mártires Saarauis
Lembrar os mártires e mantê-los em mente é cultivar a pátria e a liberdade nas gerações futuras
Por Ahmed Mulay Ali, diplomata saaraui - Os povos da África, da América Latina e do Caribe foram colonizados pelas monarquias e governos europeus de forma cruel, desumana e selvagem. Muitos foram tratados como animais por corporações estrangeiras, que exploraram suas riquezas sem respeito aos direitos mínimos desses povos. Após a Segunda Guerra Mundial, surgiu na África vigorosos movimentos e despertar em busca de liberdade, através de dois caminhos principais: a via pacífica, de negociação com as potências coloniais, e a luta armada, adotada por quem, ignorado e oprimido, só encontrava na força uma saída.
Hoje, quase todos os Estados são formalmente independentes, mas o colonialismo, por meio do neocolonialismo, continua a manter seu domínio sobre algumas regiões. Em muitos lugares, políticos – mesmo aqueles que se apresentam como democráticos e soberanos – mostram-se subservientes às antigas metrópoles, defendendo interesses coloniais e próprios acima das necessidades do povo.
Com aparência de legitimidade, recorrem a ditaduras, compra de consciências, monarquias absolutas e outras formas de opressão para perpetuar esse controle.
Ainda existem 17 territórios ao redor do mundo que lutam pelo direito à autodeterminação, entre os quais se destaca o Saara Ocidental, a última colônia da África.
No final da década de 1960, o intelectual Mohamed Sid Brahim Bassiri — considerado o pai do nacionalismo saaraui e defensor da luta pacífica — fundou o Movimento de Libertação do Saara (MLS), reunindo soldados, trabalhadores, mulheres, estudantes e diversos setores da sociedade para exigir, de forma pacífica, um referendo de autodeterminação em vez da anexação do território como província espanhola
Em 17 de junho de 1970, durante a manifestação de Zemla, civis e militantes saíram às ruas para repudiar o colonialismo espanhol e reivindicar as resoluções da ONU, em especial a 1514 (XV). A Legião Espanhola reprimiu o ato, resultando em muitas mortes, dezenas de feridos e presos, e no desaparecimento de Mohamed Bassiri — cujo paradeiro continua desconhecido 55 anos depois.
Essa operação horrível e equivocada e de violência extrema resultou na radicalização do pensamento saaraui e na busca por um novo caminho que obrigasse o colonialismo a ouvir e negociar. Surgiu então entre a juventude saaraui um líder intelectual de visão ampla: o dirigente El Uali Mustafa Sayed. Com suas ideias revolucionárias e seu exemplo extraordinário, guiou o povo em sua luta. Foi ele o autor intelectual e material da Revolução de 20 de maio de 1973 — marco inicial da resistência armada, cujo lema “com o fuzil conquistaremos a liberdade” uniu a população contra o colonialismo espanhol, depois contra os exércitos mauritano e marroquino. E, contra o invasor marroquino, a luta prossegue até hoje, certo de que este também será derrotado, assim como os anteriores. El Uali também incutiu no povo saaraui uma visão clara de futuro com o anúncio da criação da República Árabe Saaraui Democrática (RASD) em 27 de fevereiro de 1976, um projeto irreversível, agora consolidado por suas vitórias, construção e reconhecimento internacional. Como Secretário-Geral do Frente Polisário e primeiro Presidente da RASD, ele liderou seus homens com coragem e deu o exemplo supremo ao cair em combate em 9 de junho de 1976, durante uma das batalhas mais importantes contra a capital mauritana.
Portanto, neste mês de junho o povo saaraui comemora dois aniversários cruciais em sua longa luta pela independência e autodeterminação: o combate ao colonialismo espanhol e a resistência à invasão marroquina. É um período em que centenas de mártires – homens e mulheres – são lembrados por terem dado as suas vidas pela dignidade saaraui. Junho inspira firmeza na busca pela liberdade, determinação, coragem e perseverança na luta. Os caminhos desses dois heróis conduzem à reflexão, ao esclarecimento de ideias e métodos para prosseguir rumo à vitória.
Aqui, recordo o significado das palavras frequentemente repetidas pelo sempre lembrado bispo católico brasileiro, Dom Pedro Casaldáliga: “Ai do povo que esquece os seus mártires!” y “Se não houver grandes causas, a vida não tem sentido”
Lembrá-los e mantê-los em mente é cultivar a pátria e a liberdade nas gerações futuras, infundindo um novo espírito de luta e uma nova esperança. Os saarauis, assim como os brasileiros, recordam seus sacrifícios contra o colonialismo e as ditaduras; celebram este mês reanimados para continuar sua jornada até a vitória final.
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com [email protected].
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: