“O cancelamento é uma morte civil”, diz Boaventura de Sousa Santos
Sociólogo português relata em entrevista à TV 247 como acusações sem provas abalaram sua carreira, sua saúde e sua presença no espaço público
247 - Em entrevista concedida à TV 247, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos falou pela primeira vez de forma detalhada sobre o processo de cancelamento que sofreu no meio acadêmico. Aos 84 anos, o professor classificou a experiência como devastadora, afirmando que o cancelamento funciona como uma “morte civil”, pois retira do acusado o direito de defesa e o exclui da vida intelectual e social.
Segundo Boaventura, esse mecanismo ganhou força nos últimos anos e atua como uma condenação pública sem julgamento. “É um silenciamento total e, quando é realmente grave, como aconteceu no meu caso, significa praticamente uma morte civil. As editoras deixam de publicar os livros, os jornais deixam de publicar os artigos, estudantes deixam de usar minha obra. É uma condenação brutal”, declarou.
O episódio teve início há cerca de três anos, após a publicação de um capítulo assinado por uma jovem antropóloga belga em que, sem citar nomes, relatava supostos abusos em centros de pesquisa. Para Boaventura, o texto era uma vingança pessoal e acabou retirado pela própria autora e pela editora, por não ter valor científico. Ainda assim, a repercussão na imprensa portuguesa foi imediata e colocou seu nome no centro das acusações.
Enquanto estava no Chile, soube da pressão para se auto suspender do Centro de Estudos Sociais (CES), da Universidade de Coimbra, do qual era diretor científico. Ao regressar, viu-se no alvo de reportagens e manchetes que o tratavam como culpado, sem direito a contraditório. “É a inversão da presunção de inocência. A imprensa só queria confirmar a denúncia, não ouvir a defesa”, disse.
Boaventura afirma que entregou 600 páginas de documentação a uma comissão independente criada no CES, que concluiu não haver provas nem nomes confirmados. Mesmo assim, a nova direção da instituição não tomou medidas para reverter sua suspensão. Ele também acionou a Justiça, pedindo acesso às denúncias assinadas por 13 mulheres, mas até hoje não obteve resposta. “Cheguei a pedir ao Ministério Público para ser investigado, porque quero saber de que me acusam. Mas não há processo algum contra mim”, explicou.
A entrevista destacou ainda os impactos pessoais do processo. O sociólogo contou ter enfrentado problemas de saúde e relatou que colegas, também citados anonimamente, sofreram consequências graves. Uma professora moçambicana ligada ao CES, segundo ele, desenvolveu quadro depressivo que agravou sua doença.
Apesar das dificuldades, Boaventura disse que encontrou apoio em sua esposa, em intelectuais como Marilena Chaui, que publicou artigo em sua defesa, e em movimentos sociais que seguiram convidando-o para palestras e encontros fora da Europa. “Se não fosse minha teoria e o apoio da minha mulher, talvez eu tivesse perdido o sentido da vida. A minha luta agora é não dar a vitória a quem quis me destruir”, afirmou.
Encerrando a entrevista, o professor reiterou que continuará a escrever e participar do debate público internacional. “Quiseram liquidar a minha voz, mas não conseguiram. Ainda tenho livros a publicar, convites a atender e causas a defender”, concluiu. Assista: