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Empresas amazônicas unem tecnologia e saber tradicional para valorizar a floresta

Negócios como Amazônia Smart Food e Dr. Guaraná investem em inovação e sociobioeconomia, fortalecendo comunidades e agregando valor aos produtos da região

Empresas amazônicas unem tecnologia e saber tradicional para valorizar a floresta (Foto: Vinicius Braga/Embrapa)

247 - Em Manaus, capital do Amazonas, tradição e inovação caminham lado a lado. O famoso “x-caboquinho” — sanduíche preparado com pão francês, banana frita, manteiga e lascas do fruto do tucumã — divide espaço nas feiras e lanchonetes com o açaí e o guaraná da Amazônia, símbolos de uma culinária rica e diversa. É desse universo de sabores que surgem empreendimentos que unem tecnologia e sustentabilidade, transformando ingredientes regionais em produtos de alto valor agregado.

Segundo reportagem da Agência Sebrae de Notícias, negócios como Amazônia Smart Food e Dr. Guaraná estão na vanguarda dessa tendência, que combina bioeconomia e inovação. O mercado global de alimentos à base de plantas deve atingir US$ 162 bilhões até 2030, segundo a Bloomberg Intelligence — um crescimento de quase cinco vezes em uma década.

Inovação com sabor amazônico

Fundada pelo chef Beto Pinto, a Amazônia Smart Food aposta em produtos veganos e naturais que resgatam a identidade regional. Entre os destaques, está a linguiça de açaí, que leva gordura de palma na composição. A empresa também desenvolve o hambúrguer de tucumã, fruto típico do “x-caboquinho”, transformando o ingrediente em uma nova experiência gastronômica.

“Hoje nossas principais cadeias produtivas são a do açaí e do tucumã. Mas a gente entende que a fruta símbolo do Amazonas é o tucumã. Ele é muito conhecido aqui, mas para o restante do país é quase desconhecido. Nossa visão é que daqui a vinte anos, o tucumã seja tão conhecido como o açaí”, afirma o empresário.

Além das versões tradicionais, a empresa oferece produtos liofilizados, processo que preserva nutrientes e permite diversas aplicações culinárias — de cremes e patês a massas e drinks. O desenvolvimento dessas inovações contou com apoio do Sebraetec, programa do Sebrae que auxilia pequenos negócios na adoção de tecnologia. “É muito caro inovar com recursos próprios. O Sebraetec ajuda com redução de custos e acesso a feiras nacionais”, explica Pinto.

Sociobioeconomia: floresta e pessoas no centro

A Amazônia Smart Food também aposta em um modelo de valorização das comunidades fornecedoras de açaí e tucumã. “A gente tem todo um trabalho de curadoria com os comunitários. Eles nos entregam a matéria-prima pré-beneficiada, e nós pagamos o valor de mercado. É um trabalho coletivo que fortalece financeiramente os produtores e a cooperação entre as partes”, diz o CEO.

Para Pinto, o conceito de sociobioeconomia é fundamental. “Sem pessoas, não há bioeconomia. O foco deve ser o produtor que está na floresta, o verdadeiro guardião da sabedoria e do território”, defende.

A visão é compartilhada por Paulo Reis, presidente da Associação de Sociobioeconomia da Amazônia (Assobio): “A sociobioeconomia é uma forma de prosperar sem destruir, valorizando saberes tradicionais, biodiversidade e impacto positivo nas comunidades.”

A empresa também desenvolve ações de reflorestamento com mudas de tucumã e rastreabilidade dos produtos, buscando sustentabilidade e dignidade na relação com os fornecedores. “Temos produtores que descobriram mais árvores de tucumã do que imaginavam, só por explorarem o próprio território sem derrubar nada”, exemplifica Beto Pinto.

Energético com DNA da floresta

Outra referência de inovação é a Dr. Guaraná, empresa fundada por Márcio Reis. O negócio transforma insumos amazônicos em produtos energéticos, como energy shots, cápsulas e pós concentrados de guaraná, açaí, camu camu e maca peruana, além de gominhas de cupuaçu e gengibre.

“Eu não vendo matéria-prima, vendo produto manufaturado. O Dr. Guaraná não tem razão de viver se não for para fomentar a bioeconomia na floresta”, ressalta Reis. A empresa trabalha com agricultura familiar e comunidades que praticam sistemas agroflorestais (SAFs), unindo produção e conservação.

Com apoio do Sebrae, a marca mapeou cooperativas e grupos familiares comprometidos com boas práticas ambientais e rastreabilidade. “Foi graças ao Sebrae que conseguimos nos conectar com essa rede de oportunidades”, diz Reis.

Apesar dos avanços, o empresário aponta desafios como problemas logísticos e os impactos das secas históricas de 2023 e 2024, que reduziram em até 25% a produção de guaraná. Ainda assim, ele vê potencial na região. “Temos biodiversidade para sermos o maior polo farmacêutico e cosmético do mundo. O que falta é investimento e estratégia”, afirma.

Agricultura familiar como base da transformação

Tanto a Amazônia Smart Food quanto a Dr. Guaraná se sustentam na agricultura familiar orgânica. A primeira mantém parcerias com 32 comunidades em quatro estados da região Norte, beneficiando mais de mil pessoas. Já a Dr. Guaraná compra insumos de associações em municípios como Presidente Figueiredo, Maués e Manacapuru.

Uma das iniciativas apoiadas é o Grupo Esperança Orgânica (GEO), liderado por Nazide Bentes, assistente social e agricultora da etnia Mura. A associação reúne 75 famílias produtoras que cultivam diversas espécies — do guaraná ao tucumã — em sistema agroecológico e orgânico.

“A biodiversidade amazônica é muito rica e tem para todo mundo. Todo mundo ganha quando a gente produz”, afirma Nazide. Ela destaca que o modelo garante segurança alimentar e nutricional: “Um trabalhador com fome não produz nem pensa. A gente não planta só para vender, mas também para sobreviver.”

Nazide aprendeu o ofício com a mãe, hoje com 82 anos, e vê na floresta seu lar: “A Amazônia é minha casa. Estar nela é estar no paraíso na Terra.”

Um novo ciclo para a Amazônia

Especialistas defendem que a sociobioeconomia representa uma alternativa ao modelo extrativista e às monoculturas, que historicamente causaram degradação ambiental e social na região. O engenheiro ambiental Yago Santos lembra que “monoculturas demandam muitos recursos, promovem mudanças drásticas no solo e estão ligadas à expulsão de populações tradicionais.”

Na contramão desse modelo, os sistemas agroflorestais unem lucro, preservação e sustentabilidade, fortalecendo comunidades e saberes locais. Em tempos de emergência climática, as experiências de empresas como Amazônia Smart Food e Dr. Guaraná mostram que é possível gerar renda e conservar a floresta ao mesmo tempo — um caminho promissor para o futuro da Amazônia. (Conteúdo da Agência Sebrae de Notícias produzido em parceria com o portal Amazônia Vox)