Aviação e navegação do Brasil aceleram transição energética com apoio do BNDES
Biocombustíveis de baixo carbono podem prometem cortar reduzir emissões, fortalecer a indústria e abrir conquistar espaço no mercado internacional
A aviação e a navegação respondem por mais de 20% das emissões globais de carbono do setor de transportes. Apenas os aviões são responsáveis por cerca de 2% dos gases de efeito estufa (GEE) e têm o desafio de zerar suas emissões líquidas até 2050 a partir de metas estabelecidas pela Organização da Aviação Civil Internacional (OACI). Para o Brasil, esse cenário representa uma oportunidade estratégica: transformar a experiência de cinco décadas com biocombustíveis em uma frente de protagonismo internacional. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) assume papel central nessa transição energética, liderando iniciativas que estruturam uma cadeia robusta de combustíveis sustentáveis de aviação (SAF) e navegação.
Segundo José Gordon, diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do BNDES, “combustíveis sustentáveis derivados de biomassa, resíduos e outras matérias-primas renováveis podem reduzir em mais 90% essas emissões, e o Brasil reúne todas as condições de liderar a transição energética do transporte aéreo e marítimo”.
Crescimento dos investimentos
Desde 2023, o BNDES intensificou seu apoio ao setor. Entre 2023 e junho de 2025, foram aprovados R$ 8,6 bilhões em projetos ligados a biocombustíveis. Apenas em 2024, as aprovações somaram R$ 4,3 bilhões, o maior volume desde 2011. Esse movimento foi possível graças a novos instrumentos como o Programa Mais Inovação e o Novo Fundo Clima, que destinou R$ 10,4 bilhões em 2024 para iniciativas de redução de emissões e adaptação às mudanças climáticas. A previsão para 2025 é de R$ 14,2 bilhões em novas operações.
“Se o BNDES é conhecido por ter impulsionado em diferentes momentos a infraestrutura, a indústria e o agro do Brasil, hoje, a missão do Banco encara o desenvolvimento como indissociável da sustentabilidade”, declara o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante. “A ampliação dos financiamentos a projetos relacionados a combustíveis mais limpos é um exemplo concreto disso e de como é perfeitamente possível conciliar desenvolvimento e redução das emissões de gases”, complementa.
SAF: o combustível do futuro da aviação
O querosene sustentável de aviação (SAF) é considerado peça-chave para cumprir as metas da OACI. Sua compatibilidade com motores e infraestrutura existentes permite adoção imediata.
Em setembro, a Petrobras produziu, na Refinaria Henrique Lage (Revap), em São José dos Campos (SP), o primeiro lote de SAF em escala industrial no país. Alexandre Coelho, gerente-geral da unidade, destacou que “o teor de até 1,2% de componente renovável representa uma redução significativa na pegada de carbono do combustível final”.
A diretora de Sustentabilidade do Ministério de Portos e Aeroportos (MPor), Larissa Amorim, ressaltou o potencial estratégico do Brasil: “Temos disponibilidade de matérias-primas, maturidade tecnológica e um conjunto de iniciativas em andamento, que fortalecem nosso compromisso com a descarbonização e geram novas oportunidades de desenvolvimento socioeconômico”.
Navegação verde e o papel da Marinha
No setor marítimo, a Marinha do Brasil coordena a Comissão Coordenadora para os Assuntos da IMO (Organização Marítima Internacional, na sigla em inglês), alinhando posições nacionais nas negociações internacionais sobre descarbonização. A instituição atua em três frentes: diplomática, coordenando a Representação Permanente do Brasil junto à IMO; normativa, com a secretaria-executiva que articula órgãos públicos e setor privado; e social, promovendo participação da academia e indústria marítima.
Apesar dos desafios — alto custo dos combustíveis, frota antiga e infraestrutura portuária limitada — o país conta com uma cadeia de biocombustíveis consolidada. Muitos combustíveis são “drop-in”, podendo ser usados nos motores atuais com mínimas alterações, o que permite ao Brasil se posicionar como fornecedor estratégico de soluções energéticas limpas.
Emprego, renda e agregação de valor
O setor de biocombustíveis tem impacto significativo na geração de empregos e renda, especialmente no interior. Estima-se que a agroindústria da bioenergia gera quase seis vezes mais empregos que a indústria do petróleo, quando se compara a quantidade de pessoal empregado por volume de energia produzida.
A expansão da produção de etanol de milho e biodiesel contribui para agregar valor à cadeia agroindustrial, criando demanda por equipamentos industriais e estimulando setores correlatos, como fornecimento de caldeiras, turbinas e moendas. Além disso, o aproveitamento de subprodutos agrícolas permite conciliar crescimento da bioenergia e segurança alimentar.
Cooperação internacional e desafios
O Brasil tem buscado reduzir barreiras comerciais e compartilhar experiência em fóruns como a Plataforma para o Biofuturo e a Aliança Global para os Biocombustíveis. No plano interno, o BNDES avalia instrumentos de crédito, participação acionária e incentivos regulatórios para viabilizar os projetos de SAF e combustíveis marítimos.
O desafio principal é transformar o interesse do mercado em projetos concretos, dado o elevado capital requerido. O banco tem incentivado a cooperação empresarial, reunindo investimentos complementares em iniciativas conjuntas e fortalecendo a estrutura financeira das operações.
Com Petrobras, Marinha, Governo Federal e empresas privadas articuladas, o Brasil já constrói os pilares de uma indústria de combustíveis de baixo carbono para transporte aéreo e marítimo. O BNDES, protagonista desse movimento, financia, estrutura políticas e fomenta inovação, garantindo que o país avance com segurança, inovação e soberania.
É com esse esforço articulado que BNDES e FINEP lançaram a Chamada pública de Planos de Negócios para investimentos em combustíveis de aviação e navegação de baixo carbono. Embora o orçamento inicial previsto tenha sido de R$ 6 bilhões, foram recebidas 76 propostas no valor total de R$ 167 bilhões, confirmando o interesse do mercado na expansão do setor de biocombustíveis nessa nova fronteira. Após avaliação, foram selecionadas 42 propostas no valor de R$ 133 bilhões, que estão, atualmente, em fase de estruturação dos correspondentes planos de suporte.
Um desafio detectado é a instabilidade geopolítica atual e questões regulatórias internacionais pendentes, que podem levar as empresas a reavaliar o momento da realização dos investimentos em função dos altos custos envolvidos. No entanto, “há grande potencial para que o Brasil se torne um dos principais exportadores de bioquerosene e biocombustíveis marítimos, combinando crescimento econômico, geração de empregos e metas globais de descarbonização até 2050”, acrescenta Gordon.