Universidades brasileiras desenvolvem métodos rápidos para detectar metanol em bebidas adulteradas
Pesquisas da UFPR, Unesp e UnB oferecem alternativas acessíveis de análise, enquanto o país registra mais de 100 casos de suspeita de intoxicação
247 - A adulteração de bebidas alcoólicas com metanol não pode ser identificada pelo cheiro ou pelo gosto, o que torna a substância especialmente perigosa para os consumidores. A única forma de confirmar sua presença é por meio de exames laboratoriais, e pesquisas desenvolvidas em universidades públicas brasileiras têm ampliado os métodos de detecção. A informação foi divulgada pela Agência Brasil, que entrevistou pesquisadores diretamente envolvidos nos projetos.
O Ministério da Saúde confirmou nesta sexta-feira (4) que já há 113 registros de contaminação por metanol no país. Desse total, 11 casos foram oficialmente confirmados e outros 102 permanecem em investigação. O cenário acende o alerta para a importância de mecanismos ágeis de testagem, diante dos riscos que o consumo representa para a saúde — a ingestão de apenas 30 ml da substância pode ser fatal.
Entre as iniciativas, destaca-se a ação do Laboratório Multiusuário de Ressonância Magnética Nuclear da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que passou a oferecer gratuitamente a análise de bebidas ao público em geral, mediante agendamento. Segundo o vice-coordenador do espaço, o professor de química Kahlil Salome, o exame é rápido e acessível. “Colocamos o líquido em um tubo. A análise é muito rápida. A gente consegue analisar uma amostra a cada cinco minutos”, afirmou à Agência Brasil.
O método exige apenas 0,5 ml da bebida e identifica a presença da substância por meio de gráficos. “Quando a gente coloca a amostra no equipamento, ele devolve um gráfico. Tem várias linhas e uma dessas linhas é referente ao metanol”, detalhou Salome. O pesquisador reforça que até bebidas com corantes ou frutas podem ser avaliadas, e que a técnica mostra, inclusive, concentrações inadequadas ao consumo humano.
Outro projeto de destaque vem da Unesp, em Araraquara (SP), onde pesquisadores do Instituto de Química desenvolveram em 2022 um método de detecção que foi patenteado pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi). A técnica utiliza a adição de sais que transformam o metanol em formol, permitindo a visualização da adulteração em até 15 minutos por meio de mudanças de cor.
Já na Universidade de Brasília (UnB), uma pesquisa iniciada em 2013 deu origem à empresa Macofren, que hoje fornece kits de testagem a instituições públicas e privadas. O químico Arilson Onésio Ferreira, criador do projeto, destaca a gravidade da situação: “Isso que está acontecendo agora no Brasil já aconteceu na Europa e foi registrado no documentário Metanol, o líquido da morte”. Ele explica que a diversidade de formulações das bebidas dificulta os exames, mas alerta: “Nunca pode ocorrer um falso negativo”.
Segundo Ferreira, o kit custa cerca de R$ 50, com reagentes adicionais em torno de R$ 25 por teste. Apenas 1 ml de amostra é suficiente para a análise. Desde o início da crise, a demanda disparou: “Há 200 empresas na fila de espera, incluindo produtores de eventos como casamentos e festas privadas”, informou.
A mobilização das universidades demonstra, além da relevância científica, o impacto social da pesquisa pública. “A gente tenta também trazer a população de volta para a universidade. Houve um período de muitos ataques à universidade pública”, disse o professor Kahlil Salome, ressaltando o papel dos centros de pesquisa em oferecer soluções em momentos de crise sanitária.