HOME > Brasil

Mais de 500 operários são resgatados de condições análogas à escravidão em obra no Mato Grosso

Os trabalhadores, vindos majoritariamente das regiões Norte e Nordeste do país, atuavam na construção de uma usina de etanol

Mais de 500 operários são resgatados de condições análogas à escravidão em obra no Mato Grosso (Foto: Reprodução/Relatório Fotográfico da Inspeção)

247 - Uma operação realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em conjunto com o Ministério Público do Trabalho (MPT) resultou no resgate de 563 trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão em Porto Alegre do Norte (MT), em um canteiro de obras da TAO Construtora. A ação teve início em 20 de julho, após um incêndio provocado por trabalhadores em protesto contra a precariedade das condições de vida e trabalho no local. As informações são do G1.

Os trabalhadores, vindos majoritariamente das regiões Norte e Nordeste do país, atuavam na construção de uma usina de etanol na zona rural do município. A investigação revelou uma série de violações, que vão desde más condições de alojamento até suspeitas de tráfico de pessoas, jornadas exaustivas e servidão por dívida.A situação se agravou nos dias que antecederam o incêndio, com o corte no fornecimento de água potável e energia elétrica. Sem estrutura mínima, trabalhadores relataram banhos com canecas e filas para banheiros sujos. O incêndio destruiu os alojamentos masculinos e femininos, além de parte da panificadora e da guarita da obra.Os dormitórios tinham apenas 12 m², abrigando até quatro pessoas sem ventilação adequada. “Trabalhadores dormiam em quartos superaquecidos, com apenas um ventilador para quatro pessoas, sobre colchões usados e sem roupas de cama adequadas”, aponta a fiscalização. Alguns chegavam a dormir no chão, sob mesas.

Após o incêndio, parte dos operários foi levada a casas e hotéis a cerca de 30 km do local, enquanto outros ficaram alojados em um ginásio de esportes. Muitos continuaram em condições precárias, dormindo em colchões no chão e sem estrutura mínima para armazenar seus pertences — muitos dos quais foram perdidos no fogo.A força-tarefa identificou ainda ambientes de trabalho insalubres, com excesso de poeira, falta de ventilação, refeitórios inadequados e ausência de equipamentos de proteção. Relatos de lesões nas mãos, pés e doenças de pele também foram documentados, além da omissão na emissão das Comunicações de Acidente de Trabalho (CATs), prejudicando o acesso a benefícios previdenciários.

Recrutamento com falsas promessas e esquema de dívidas

A investigação revelou um esquema de aliciamento com promessas enganosas de salários elevados e jornada legal. A empresa recorreu a carros de som e grupos de WhatsApp para atrair trabalhadores de regiões economicamente vulneráveis. Muitos pagaram a intermediários para garantir a vaga e cobriram os próprios custos de viagem e alimentação — prática ilegal e considerada forma de servidão por dívida.Em outros casos, a empresa arcou com os custos da viagem, mas descontou integralmente os valores dos salários, em clara violação da legislação trabalhista. Aqueles que não foram contratados após o deslocamento ficaram sem recursos para retornar às suas cidades.

A fiscalização descobriu ainda um sistema paralelo de controle de jornada, conhecido como “ponto 2”. Nele, horas extras exaustivas — que chegavam a turnos de até 22 horas, inclusive aos domingos — eram pagas por fora, em dinheiro vivo ou cheques, sem registro em folha, FGTS ou contribuições previdenciárias. Isso caracteriza sonegação fiscal e fraude trabalhista.“Os trabalhadores cumpriam expediente além das 8h48 diárias estabelecidas, com semanas sem folgas. As promessas de altos ganhos com horas extras se mostraram enganosas e parte de uma estratégia para atrair mão de obra em situação de vulnerabilidade”, informou o MPT.

Alimentação imprópria e demissões após incêndio
As refeições oferecidas também eram motivo de denúncia. Operários relataram comida repetitiva e de má qualidade, com presença de larvas, moscas e alimentos deteriorados. O refeitório era abafado e sem ventilação, forçando muitos a comer do lado de fora.

Após o incêndio, 18 demissões por justa causa foram registradas, além de 173 rescisões antecipadas e 42 pedidos de demissão. Cerca de 60 trabalhadores perderam todos os pertences pessoais, o que levou parte deles a recorrer à rede de assistência social local.

Medidas e responsabilização

O MPT está negociando um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com a TAO Construtora para assegurar: 

Pagamento de verbas rescisórias, incluindo valores pagos por fora;
Indenizações por dano moral individual e coletivo; 

Reembolso de despesas com deslocamento e retorno dos trabalhadores;
Compensação pelos bens destruídos no incêndio.

Os resgatados terão acesso ao Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado, com três parcelas de um salário-mínimo. Eles também serão encaminhados à rede de assistência social para apoio psicológico, inclusão em políticas públicas e reintegração social.Atualmente, a TAO Construtora mantém quatro obras em andamento no Mato Grosso, empregando cerca de 1.200 trabalhadores. A unidade de Porto Alegre do Norte, onde ocorreu a operação, é a maior entre elas.

O que é trabalho análogo à escravidão?

De acordo com o Código Penal, configura trabalho análogo à escravidão a submissão a jornadas exaustivas, condições degradantes, trabalho forçado ou restrição de locomoção por dívidas. A caracterização independe da presença de correntes ou castigos físicos — basta a violação da dignidade, liberdade e segurança do trabalhador.Trabalhadores resgatados nessas condições têm direito ao Seguro-Desemprego em modalidade especial e acompanhamento da rede pública de assistência, para que possam reconstruir suas vidas com dignidade.

Como denunciar

Casos suspeitos de trabalho análogo à escravidão podem ser denunciados de forma anônima pelo Sistema Ipê, disponível online. Quanto mais detalhes forem fornecidos, maior a chance de ação rápida das autoridades para resgatar vítimas e responsabilizar os infratores.

Carregando anúncios...