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Bolsonaristas espalham nas redes fake news de “Ratanabá”: cidade misteriosa na Amazônia difundida pelo criador do "ET Bilu"

Grupo que também defende terra plana difunde a fake news da cidade fantasiosa em meio à mata. Especialista enxerga racismo na teoria. Internautas apontam oportunismo

Bolsonaristas espalham nas redes fake news de “Ratanabá”: cidade misteriosa na Amazônia difundida pelo criador do "ET Bilu" (Foto: Reprodução)

Por Laís Gouveia, 247 - ​​Um vídeo repleto de teorias conspiratórias sobre a existência de uma cidade chamada Ratanabá, que estaria perdida há mais de 450 milhões de anos sob a floresta da Amazônia, é o assunto do momento nas redes sociais. E quem embarcou nesta aventura fantasiosa foi Mário Frias, ex-secretário de Cultura de Jair Bolsonaro, autor de uma publicação sistematicamente compartilhada pelos bolsonaristas.

Em suas redes, Frias fez uma série de postagens para justificar a  existência do lugarejo misterioso. Diz ainda que espera mais informações para entrar no “vale encantado”. 

Veja:


“É importante termos a mente aberta e respeitar o trabalho de quem realmente vai a campo. O fato é que podemos estar diante da maior descoberta dos últimos tempos!”, defendeu ele, com tom animado. 

Fake news e ET Bilu

A “descoberta” da cidade vem sendo reivindicada pelo Ecossistema Dakila, uma organização sem vínculo com universidades e órgãos oficiais de pesquisas. Reportagem do jornal Estado de S.Paulo revela que o grupo é também responsável por difundir discurso antivacina e defende arduamente que a Terra é plana. O líder do instituto Dakila é Urandir Fernandes de Oliveira, conhecido por ser criador do boato sobre o “ET Bilú” e por defender a tese de que a floresta amazônica não queima.

Para quem não era nascido nos anos 90 ou era muito jovem, o ET Bilu pode parecer um personagem desconhecido, mas naquele momento a TV brasileira atingiu picos de audiência com sua “aparição”, mais especificamente a Rede Record, com reportagem repleta de artefatos espalhafatosos. 

Com uma produção amadora, um ator ficou atrás de um arbusto imitando a voz de um alienígena. A produção foi logo desmascarada e emissora duramente criticado pelo sensacionalismo desenfreado.


Cidade misteriosa não poderia existir: entenda

Reportagem da BBC Brasil entrou em contato com especialista que destruiu por completo a farsa da cidade perdida. "Tudo isso é um delírio", avalia o arqueólogo Eduardo Goés Neves, professor do Centro de Estudos Ameríndios da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Laboratório de Arqueologia dos Trópicos do Museu de Arqueologia e Etnologia da mesma instituição.

Há mais de 30 anos, o especialista integra uma rede de pesquisadores que trabalham para revelar o passado da Amazônia e dos povos que viveram (e ainda vivem) por lá.

Na avaliação dele, o surgimento de histórias como a de Ratanabá, que não têm fundamento algum nas publicações científicas recentes, presta um "desserviço à arqueologia".

Veja alguns dos argumentos de Góes: 

  •  Em alguns textos, está escrito que a civilização teria existido ali há 350, 450 ou até 600 milhões de anos.Para ter ideia, nem os dinossauros existiam há 350 milhões de anos. Nossos ancestrais mais antigos viveram há mais ou menos 6 milhões de anos.
  • Algumas postagens dizem que ela seria maior que a Grande São Paulo. Para ter ideia, no século 16, as cidades mais populosas do mundo provavelmente eram Istambul, na Turquia, e Tenochtitlán, no México. E elas tinham 50 mil, no máximo 200 mil habitantes.
  • Túneis, defendem os defensores da fake news, serviriam de passagem secreta e conectariam diversas partes da América do Sul. As imagens divulgadas provavelmente vêm da região do Forte Príncipe da Beira, em Rondônia, que era um posto colonial português.Essas construções estão relacionadas às disputas de fronteira entre Espanha e Portugal nas proximidades do rio Guaporé ao longo do século 18

O especialista também aponta elementos racistas na teoria: 

"E também não podemos ignorar o racismo nesse contexto. Quando se fala que existiram civilizações 'avançadas' há 300 milhões de anos, você está retirando dos povos ancestrais, que são os antepassados dos indígenas de hoje, a autoria de todas aquelas construções", acrescenta.

Internautas apontam oportunismo

Há quem veja também a difusão da ideia de uma cidade fantasiosa como oportunismo dos bolsonaristas. 

Nas redes sociais, internautas comentam a coincidência da teoria vir à tona justamente quando ocorre o desaparecimento de Bruno Perreira e Dom Phillips. É muito mais fácil inventar uma fake news para justificar o sumiço da dupla do que apontar a culpa direta do governo, que “abriu a porteira” nas leis de proteção ambiental e povos originários e desmembrou entidades que deveriam agir na região, como a FUNAI.

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