Urbanista defende cidades sustentáveis com foco nas periferias e na natureza
Thales Tito defende soluções baseadas na natureza, gestão adaptativa e prioridade às periferias contra impactos da crise climática nas cidades brasileiras
Beatriz Bevilaqua, 247 - Como construir cidades que respeitem a natureza, cuidem das pessoas e estejam preparadas para os impactos cada vez mais severos das mudanças climáticas? Essa é a pergunta central da entrevista com o engenheiro e planejador urbano Thales Tito, no novo episódio do “Brasil Sustentável”, da TV 247. Apaixonado por inovação e sustentabilidade, Tito traz uma perspectiva poderosa: a de quem viu a cidade avançar sobre a floresta e decidiu dedicar a vida a mudar esse cenário.
“Tive a oportunidade de crescer em Manaus. Vi a floresta amazônica ser derrubada para dar lugar a grandes construções”, relembra. Ainda criança, ele acompanhava o pai, que trabalhava com saneamento, em visitas a comunidades ribeirinhas e palafitas. “Aquela situação me marcou muito. Eu via crianças da minha idade vivendo em condições muito precárias. Isso me doía. E me fez pensar: por que crescemos achando normal conviver com tanto abandono?”
Esse incômodo se transformou em propósito. Hoje, Thales atua em projetos que buscam repensar o desenho das cidades brasileiras, colocando o cidadão, e não o carro, no centro do planejamento urbano. “As cidades não podem mais ser pensadas apenas como centros de circulação e consumo. Elas precisam ser lugares de pertencimento, inclusão e equilíbrio ambiental.”
Diante de eventos extremos como as enchentes no Rio Grande do Sul ou as queimadas na Amazônia e no Cerrado, Tito defende com convicção: “As soluções baseadas na natureza são o caminho mais urgente e inteligente para lidarmos com as consequências da crise climática nas cidades”. Ele explica que, ao invés de investir apenas em infraestrutura cinza (baseada em concreto), é necessário apostar na infraestrutura verde, que utiliza processos naturais para mitigar impactos.
Um exemplo prático são os manguezais: “Eles funcionam como esponjas. Quando o nível do mar sobe ou há tempestades intensas, o mangue absorve o impacto e protege a cidade. É tecnologia natural da mais alta qualidade.” Esse tipo de solução já vem sendo implantado em várias partes do mundo e começa a ganhar força no Brasil.
Cidades esponja, calçadas vivas e governos adaptativos
Na conversa, Tito cita experiências internacionais que deveriam inspirar o planejamento urbano brasileiro como o conceito de "cidade esponja", muito usado na China. A ideia é transformar o ambiente urbano em um sistema permeável, que absorve e reaproveita a água da chuva, reduzindo enchentes e melhorando a qualidade de vida.
Mas ele alerta: “Não basta importar soluções. Precisamos adaptar essas ideias à nossa realidade e, principalmente, garantir que elas cheguem também às periferias, que são sempre deixadas de lado.” Segundo o engenheiro, as regiões periféricas concentram as maiores vulnerabilidades urbanas e climáticas. “Faltam áreas verdes, saneamento, acesso a transporte público de qualidade. Isso é racismo ambiental, uma desigualdade estrutural que também se expressa no espaço urbano.”
Para superar isso, ele defende uma gestão pública adaptativa capaz de ouvir a população, flexibilizar planos diretores e incorporar as inovações que emergem da própria comunidade. “Tem muito cidadão que ‘hackeia o sistema’, como o Hélio da zona leste de São Paulo, que planta árvores onde a cidade não permite. E, muitas vezes, essas ações mostram caminhos que o planejamento institucional ignora.”
Tito também compartilha exemplos de transformações urbanas que ele ajudou a implementar. Um dos mais marcantes ocorreu em Pouso Alegre (MG), onde um projeto de requalificação de uma rua comercial no centro da cidade com calçadas niveladas, espaços para pedestres, ciclistas e mesas de bares resultou em aumento do faturamento dos comércios locais e mais vitalidade urbana. “Transformamos uma rua degradada em um ponto de encontro. A lógica é simples: quando as pessoas se sentem bem no espaço público, elas voltam.”
Esse tipo de intervenção, segundo ele, tem impacto direto na redução de emissões. “O trânsito é o principal emissor de gases de efeito estufa nas cidades. Diminuir a dependência do carro e incentivar o transporte ativo é fundamental para enfrentar a crise climática.”
Muitos pensam que inovação urbana exige tecnologias futuristas. Mas, para Thales Tito, a maioria das soluções está bem diante dos nossos olhos. “A bicicleta é uma tecnologia de 200 anos e continua sendo subestimada. É barata, limpa, acessível. Precisamos investir mais nisso.”
Ele lembra que o Brasil foi pioneiro no conceito de BRT (Bus Rapid Transit), desenvolvido em Curitiba nos anos 1970, mas demorou décadas para expandi-lo a outras cidades. “Enquanto o metrô de São Paulo cresceu lentamente, o da Cidade do México avançou muito mais no mesmo período. A diferença? Gestão e compromisso.”
Saneamento é dignidade
Outro ponto central da entrevista é o saneamento básico, um direito ainda negado a milhões de brasileiros. “Sem água potável e esgoto tratado, não há cidadania”, diz. Ele cita com entusiasmo o Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus (Prosamim), que transformou comunidades em palafitas em conjuntos habitacionais com infraestrutura urbana completa. “É um exemplo real de como urbanismo, moradia digna e meio ambiente podem andar juntos.”
Para Tito, falta prioridade. “As leis existem. A Política Nacional de Saneamento e a de Resíduos Sólidos têm mais de dez anos. O problema é que muitos municípios ainda operam com lixões a céu aberto.”
Por fim, o urbanista defende que enfrentar a emergência climática passa, necessariamente, por colocar as periferias no centro do debate. Isso envolve políticas públicas sérias de mobilidade, regularização fundiária, infraestrutura verde e acesso à cidade.
“É preciso romper com esse modelo de cidade que cresce do centro para as bordas, expulsando os mais pobres para áreas de risco”, afirma. “A desigualdade urbana é a base da desigualdade ambiental.”
Ao longo da entrevista, Thales Tito compartilha dados, vivências e visões que apontam para um Brasil mais justo, sustentável e conectado com sua biodiversidade. Mas o tempo é curto, e a mudança precisa ser agora. “Temos conhecimento técnico, exemplos bem-sucedidos, vontade de fazer diferente. Só precisamos parar de tratar as cidades como produto e voltar a tratá-las como projeto coletivo de futuro.”
Assista à entrevista:
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