“Democracias do mundo têm eleito cada vez mais negacionistas climáticos”, alerta Carlos Nobre
Para o cientista, a COP30, em Belém, será a mais decisiva da história e o Brasil pode liderar o esforço global contra o colapso climático
Beatriz Bevilaqua, 247 - O climatologista Carlos Nobre, um dos maiores especialistas do mundo em mudanças climáticas, faz um alerta contundente: “As democracias do mundo estão elegendo cada vez mais políticos populistas e negacionistas do clima e isso representa um risco enorme para o planeta”.
A afirmação ecoa como um aviso grave às vésperas da COP30, que será realizada em 2025 em Belém do Pará. Para Nobre, este será o encontro mais importante da história das conferências climáticas e talvez a última grande chance de impedir que o planeta ultrapasse o ponto de não retorno.
Graduado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e doutor pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), Carlos Nobre foi pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e hoje é co-presidente do Painel Científico para a Amazônia e professor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP). Na entrevista ao programa Brasil Sustentável, ele reflete sobre meio século de pesquisa e militância científica, o futuro da Amazônia e a urgência de uma transição energética global.
Desde o início da carreira, Nobre se dedica à floresta amazônica, paixão que começou em 1971, quando ainda era estudante do ITA. “Naquela época, a Amazônia era praticamente intocada. Hoje, está na beira do ponto de não retorno”, diz.
Segundo suas pesquisas, toda a região sul da Amazônia já enfrenta estações secas até cinco semanas mais longas e 2 a 3°C mais quentes que há 40 anos. Se o desmatamento ultrapassar 20% a 25% da cobertura original e o aquecimento global chegar a 2°C, o bioma pode colapsar: “Entre 30% e 70% da floresta pode se degradar irreversivelmente até 2050”, afirma o cientista.
Essa transformação liberaria mais de 250 bilhões de toneladas de carbono, comprometendo qualquer tentativa de limitar o aquecimento global a 1,5°C, meta do Acordo de Paris. “A Amazônia é um dos grandes pontos de não retorno do planeta. Se ela colapsar, entramos num ciclo de autodegradação que pode durar milênios”, adverte.
Transição energética é urgente no mundo
O pesquisador lembra que 7 milhões de pessoas morrem por ano devido à poluição urbana, resultado direto da queima de combustíveis fósseis. “Na Grande São Paulo, o diesel usado em ônibus e caminhões reduz a expectativa de vida entre dois e quatro anos”, diz Nobre, citando estudos do médico Paulo Saldiva, da USP.
Além das cidades, as queimadas na Amazônia, Cerrado e Pantanal também afetam gravemente a saúde pública: “O fogo gera micropartículas de carbono que adoecem e matam. Só na Amazônia, mais de 150 mil pessoas são internadas anualmente por doenças respiratórias ligadas à poluição”.
Recentemente, Nobre esteve na China e se disse “impressionado” com a velocidade da transformação energética. “Em oito dias, peguei vinte carros de aplicativo, dezoito eram elétricos”, relata. “As cidades estão arborizadas, repletas de ciclovias e motocicletas elétricas. A qualidade do ar melhorou imensamente.”
Para o cientista, a China é exemplo de como políticas públicas podem reverter décadas de poluição. “Há 30 anos, Pequim era uma das cidades mais poluídas do mundo. Hoje, a expectativa de vida voltou a crescer, graças à eliminação de termelétricas a carvão dentro das áreas urbanas e à restauração florestal em mais de 100 grandes cidades.”
No entanto, o país ainda enfrenta o desafio de depender fortemente do carvão, cerca de 75% da energia chinesa vem de fontes fósseis. Mesmo assim, Nobre vê um caminho promissor: “A China pode liderar a transição energética global. O que falta é o mesmo compromisso nas democracias ocidentais.”
“Como pode o país com mais ciência do mundo eleger um negacionista climático?”
O paradoxo que mais choca o cientista é o caso dos Estados Unidos. “É o país que mais produz ciência no planeta, onde estão os melhores centros de pesquisa climática. Como pode uma nação com tanta informação científica eleger um presidente negacionista?”, questiona.
“Mais de 66% dos americanos acreditam na mudança climática, mas ainda assim elegeram um negacionista. É um fenômeno que está se repetindo em várias democracias, inclusive no Brasil do governo anterior e da Argentina atual. Isso mostra que o populismo e o negacionismo andam juntos e colocam em risco o futuro da civilização”, alerta.
Para Nobre, o negacionismo não é apenas uma opinião: é uma ameaça civilizatória. “Devemos superar ideologias e recusar candidatos que negam a ciência. O planeta não suporta mais retrocesso.”
Brasil pode zerar emissões até 2040
O pesquisador acredita que o Brasil pode assumir um papel histórico na transição global para uma economia verde. “Temos energia limpa, potencial florestal e tecnologia. O país pode zerar suas emissões líquidas até 2040 e ser o primeiro grande emissor do mundo a alcançar emissões zero”, afirma.
Essa proposta está no centro do novo relatório “Brasil Net Zero”, que será lançado em novembro pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e do qual Nobre é um dos coordenadores. Assista à entrevista completa e ative o lembrete para o lançamento do estudo “Brasil Net Zero”: https://www.youtube.com/live/psqonQ6Mmq4?si=C_rPhcKoss1-FDQ2
Ao fim da entrevista, Nobre propõe um gesto simbólico, mas poderoso: reflorestar as cidades. “São Paulo virou uma ilha de calor. Nos bairros sem árvores, a temperatura é até 10 graus mais alta que nas áreas de mata. Isso agrava as desigualdades e adoece a população. É essencial que todos plantem árvores.”
Lembrando da infância, ele conclui com um toque de afeto: “Quando eu era menino, todas as casas tinham quintais, árvores, jabuticabeiras. Precisamos recuperar essa relação com a natureza nas cidades e no planeta. É uma questão de sobrevivência.”
Assista a entrevista na íntegra aqui: