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César Fonseca

Repórter de política e economia, editor do site Independência Sul Americana

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Trump flexível com Lula revela xeque-mate no tarifaço imperialista

Para Trump, relativamente, ao Brasil, é mais negócio estar ao lado da esquerda moderada lulista do que da direita radical bolsonarista

Donald Trump e Lula (Foto: REUTERS)

Por que passou a fluir o diálogo Lula-Trump, depois de levantar dúvidas generalizadas por razões diversificadas? Simples, porque a estratégia trumpista do tarifaço está entrando pelo cano, assim como se mostra clara a tendência decadente do império americano no cenário global; o tarifaço trumpista vai se mostrando como negação do império como potência hegemônica; significa mudança de rumo na política econômica que fragiliza a economia, submetendo-a ao neoliberalismo; até agora, desde o pós-segunda guerra mundial, a estratégia imperialista era a de sustentar a expansão da acumulação capitalista por meio de déficits comerciais; o dólar forte, vencedor da guerra, cuidou de gerar superávits financeiros, para cobrir déficit comercial; vencedores da guerra, não interessavam aos Estados Unidos geração de superávits comerciais, se tinha a hegemonia monetária para comprar barato do mundo inteiro, mantendo inflação e desemprego baixos; era de ouro; o preço a pagar era sustentar endividamento público, ou seja, a inflação cresce, sim, mas na barriga da dívida pública, não nos preços dos bens e serviços; a contradição, no entanto, avança, historicamente, com o endividamento público, bancado pelo mundo inteiro, dependente do consumo americano; os Estados Unidos lançam títulos do tesouro para financiar o déficit comercial crescente, bombeador da dívida à custa da inflação baixa; o contraponto da jogada imperialista foi exportar indústrias nacionais, para produzir barato no exterior, a fim de exportar ao mercado americano; resultado: desindustrialização americana crescente no compasso da hegemonia do dólar; o estresse do modelo se revelou na combinação histórica de crescimento da dívida com desindustrialização.

CHINA AVANÇA, EUA RECUA

A China, nesse cenário, transformar-se-ia na maior competidora comercial dos Estados Unidos, especialmente, porque não se rendeu às pressões Do Consenso de Washington para adotar modelo neoliberal, representado pelo tripé econômico: metas inflacionárias irrealistas, para quem precisa crescer, superavit primário, para exportar capital, e câmbio flutuante; livre desse arcabouço anti-crescimento, que transforma os países que o utilizam em exportares de renda financeira para os Estados Unidos e demais países capitalistas ricos, a China que havia feito sua revolução social em 1949, com Mao Tsé Tung, pode avançar; já a periferia subcapitalista, eternamente, dependente de poupança externa, dependurada na agiotagem  financeira internacional, comandada por Wall Street, afundou no subconsumismo, na concentração de renda e na desigualdade social, que bloqueia investimentos; o avanço chinês se ampliou, especialmente, depois da crise financeira de 2008, a mais séria depois do crash de 1929, que revelou o fim do boom americano do pós segunda guerra; nesse novo cenário, pós colapso de 2008, entrou em xeque o modelo econômico que tinha por base a força do dólar, no cenário da livre circulação de capital e desregulamentação econômica dos países financeiramente dependentes, para bancar déficit comercial e inflação baixa na América, embora com prejuízo das indústrias transplantadas para o exterior, bombeando déficit comercial e desindustrialização nos Estados Unidos.

DÍVIDA ABATE IMPÉRIO

O crescimento da dívida pública americana, superior, atualmente, aos 45 trilhões de dólares, custando mais de 1 trilhão de dólares, apenas, em pagamento de juros, acenderia sinal vermelho do mercado financeiro, que acabaria levando o governo americano, como acontece na Era Trump, à reversão do processo imperialista do pós guerra; passou a ser necessário, sob pressão dos credores da dívida – os grandes bancos financiadores de guerras, movidas por rentismo especulativo – outra estratégia, agora tentada por Trump sem ainda alcançar sucesso: diminuir o déficit e aumentar o superavit comercial; não seria possível alcançar essa meta, salvo abrindo mão do dólar forte, para dar competitividade às exportações americanas, na disputa comercial, especialmente, com a China; ademais, sem o dólar forte, o rentismo balança, porque a desvalorização cambial aumenta a inflação, que Trump não quer combater com juro elevado, à moda ortodoxa neoliberal; daí vem o tarifaço como solução, que, contudo, revela-se, em meio às contradições capitalistas, problemática; o tarifaço concebido, erroneamente, pelos estrategistas trumpistas como remédio para a industrialização está, na prática, transformando-se em veneno; Trump está com dificuldade de alcançar seus propósitos, porque o aumento do custos das importações, junto com a desvalorização cambial, para bombear exportações, potencializa, ainda mais, a inflação; o Banco Central americano, pelas regras ortodoxas liberais, precisa elevar a taxa de juro, porém, se fizer isso, joga a população contra Trump.

REMÉDIO VIRA VENENO

Juro alto é veneno contra a economia americana, tal como acontece com a brasileira, impedindo-a de disputar com a China; os chineses, ao contrário, trabalham com juro zero ou negativo, para incrementar seus investimentos em escala global, ao sustentar crédito público e não privado, para tocar desenvolvimentismo exponencial antinflacionária; o modelo monetário chinês utiliza moeda chinesa, que, conforme regras das finanças funcionais(MMT), não gera inflação nem déficit desestabilizador; o quiprocó econômico americano, portanto, atua como empecilho ao sucesso do tarifaço pretendido por Trump para fortalecer a indústria e, por meio dela, expandir superavit comercial, para diminuir o déficit em contas correntes do balanço de pagamentos americano; é, por isso, portanto, que o fôlego do tarifaço americano contra o Brasil se revela insuficiente, na medida em que a elevação dos preços de exportação dos produtos primários e semielaborados(alimentos, minérios etc) brasileiros, destinados aos Estados Unidos, aumentam a inflação americana; a solicitação do presidente Lula ao presidente americano, para que elimine as tarifas sobre exportações brasileiras, representa vantagem para os dois lados; pragmaticamente, Trump se rende à lógica econômica: o tarifaço dá prejuízo econômico para os Estados Unidos e político para o presidente americano, no cenário de crescente tensão social na potência capitalista em crise; eis porque Trump não pode radicalizar contra Lula e se vê obrigado a jogar no mar o bolsonarismo ideológico de direita, que tenta inviabilizar governabilidade lulista; para Trump, relativamente, ao Brasil, é mais negócio estar ao lado da esquerda moderada lulista do que da direita radical bolsonarista; xeque-mate no tarifaço.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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