Trump, Derrite e a retórica do narcoterrorismo
A nova cruzada da extrema direita usa o pretexto do “narcoterrorismo” para reabrir o caminho das intervenções e ameaçar democracias na América Latina
Um novo fantasma ronda o mundo: o fantasma do combate ao narcoterrorismo, pretexto do trumpismo e da extrema direita para a invasão militar de outros países, com ataques à soberania, à democracia e à atuação das forças progressistas.
Em seu discurso na Celac, no domingo, o presidente Lula foi direto ao ponto: “Velhas manobras retóricas são recicladas para justificar intervenções ilegais”. O que está sendo reciclado é o mantra da Guerra Fria, de combate ao perigo comunista, agora trocado pelo combate ao “narcoterrorismo”.
O fantasma reciclado está assombrando as forças governistas no Congresso, onde um projeto enviado pelo presidente Lula para endurecer o combate às organizações criminosas foi capturado pela extrema direita. O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, praticante da necropolítica, deixou o cargo e reassumiu seu mandato de deputado federal para ser relator do projeto cuja votação está pautada para esta semana. Em seu substitutivo, tratou de equiparar as organizações criminosas às organizações terroristas e também de impedir que a PF atue nos estados, exceto a pedido de um governador. “Presente para a bandidagem”, como disse Gleisi Hoffmann.
Com isso, a extrema direita, de olho na eleição, tenta impedir que Lula avance com uma participação efetiva no combate à criminalidade e seja por isso beneficiado.
Quanto ao narcoterrorismo, Derrite alega que não está aplicando a classificação aos grupos criminosos que se dedicam ao tráfico no Brasil (entre outros crimes), como CV e PCC. Diz que está apenas equiparando as organizações do ponto de vista penal. Na prática, entretanto, o resultado é o mesmo.
O temor do governo é óbvio e justificado: o de que, amanhã, a pretexto de combater essas organizações equiparadas a grupos terroristas, os EUA queiram atuar militarmente no país.
É justificada a bronca do governo com o presidente da Câmara, Hugo Motta, por ter entregue de mão beijada a relatoria a Derrite. O líder do PT, Lindbergh Farias, falou em “roubo por abuso de confiança”, figura que existe mesmo no Código Penal. Ocorre quando, valendo-se da confiança de alguém, o ladrão assalta o cofre.
Para o governo, seria melhor retirar o projeto de pauta, mas, para isso, precisará de votos suficientes para aprovar um requerimento em plenário — e isso não é certo.
Os amigos de Trump no hemisfério vêm adotando a retórica do narcoterrorismo. Entre eles, Paraguai, Argentina, Equador e El Salvador.
Para se ter ideia de como a democracia pode ser solapada pela política de combate ao suposto narcoterrorismo, o mandato do presidente Noboa, no Equador, está se passando quase todo sob estado de exceção.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.



