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Tereza Cruvinel

Colunista/comentarista do Brasil247, fundadora e ex-presidente da EBC/TV Brasil, ex-colunista de O Globo, JB, Correio Braziliense, RedeTV e outros veículos.

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Trump, Derrite e a retórica do narcoterrorismo

A nova cruzada da extrema direita usa o pretexto do “narcoterrorismo” para reabrir o caminho das intervenções e ameaçar democracias na América Latina

Guilherme Derrite (Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)

Um novo fantasma ronda o mundo: o fantasma do combate ao narcoterrorismo, pretexto do trumpismo e da extrema direita para a invasão militar de outros países, com ataques à soberania, à democracia e à atuação das forças progressistas.

Em seu discurso na Celac, no domingo, o presidente Lula foi direto ao ponto: “Velhas manobras retóricas são recicladas para justificar intervenções ilegais”. O que está sendo reciclado é o mantra da Guerra Fria, de combate ao perigo comunista, agora trocado pelo combate ao “narcoterrorismo”.

O fantasma reciclado está assombrando as forças governistas no Congresso, onde um projeto enviado pelo presidente Lula para endurecer o combate às organizações criminosas foi capturado pela extrema direita. O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, praticante da necropolítica, deixou o cargo e reassumiu seu mandato de deputado federal para ser relator do projeto cuja votação está pautada para esta semana. Em seu substitutivo, tratou de equiparar as organizações criminosas às organizações terroristas e também de impedir que a PF atue nos estados, exceto a pedido de um governador. “Presente para a bandidagem”, como disse Gleisi Hoffmann.

Com isso, a extrema direita, de olho na eleição, tenta impedir que Lula avance com uma participação efetiva no combate à criminalidade e seja por isso beneficiado.

Quanto ao narcoterrorismo, Derrite alega que não está aplicando a classificação aos grupos criminosos que se dedicam ao tráfico no Brasil (entre outros crimes), como CV e PCC. Diz que está apenas equiparando as organizações do ponto de vista penal. Na prática, entretanto, o resultado é o mesmo.

O temor do governo é óbvio e justificado: o de que, amanhã, a pretexto de combater essas organizações equiparadas a grupos terroristas, os EUA queiram atuar militarmente no país.

É justificada a bronca do governo com o presidente da Câmara, Hugo Motta, por ter entregue de mão beijada a relatoria a Derrite. O líder do PT, Lindbergh Farias, falou em “roubo por abuso de confiança”, figura que existe mesmo no Código Penal. Ocorre quando, valendo-se da confiança de alguém, o ladrão assalta o cofre.

Para o governo, seria melhor retirar o projeto de pauta, mas, para isso, precisará de votos suficientes para aprovar um requerimento em plenário — e isso não é certo.

Os amigos de Trump no hemisfério vêm adotando a retórica do narcoterrorismo. Entre eles, Paraguai, Argentina, Equador e El Salvador.

Para se ter ideia de como a democracia pode ser solapada pela política de combate ao suposto narcoterrorismo, o mandato do presidente Noboa, no Equador, está se passando quase todo sob estado de exceção.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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