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      Gustavo Tapioca

      Jornalista formado pela Universidade Federal da Bahia e MA pela Universidade de Wisconsin-Madison. Ex-diretor de redação do Jornal da Bahia, foi assessor de Comunicação Social da Telebrás, consultor em Comunicação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do (IICA/OEA). Autor de "Meninos do Rio Vermelho", publicado pela Fundação Casa de Jorge Amado.

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      Trump, Bolsonaro e a morte da democracia

      Ameaça autoritária de Trump e Bolsonaro expõe fragilidade das instituições e mostra que democracia só sobrevive com reação firme

      Donald Trump e Jair Bolsonaro foram alvos dos manifestantes (Foto: Paulo Pinto / Agência Brasil)

      O professor Steven Levitsky passou os últimos vinte anos estudando o colapso dos regimes democráticos na Europa e na América Latina. Em Como as democracias morrem, Levitsky oferece uma análise alarmante do processo de subversão da democracia que ocorre nos Estados Unidos.

      Para isso, compara o caso Trump com exemplos históricos de rompimento da democracia nos últimos cem anos — da ascensão de Hitler e Mussolini nos anos 1930 à atual onda populista da extrema-direita na Europa e na América Latina.

      E alerta: a democracia atualmente não termina com ruptura violenta nos moldes de uma revolução ou de um golpe militar. Agora, a escalada do autoritarismo se dá com o enfraquecimento lento e constante de instituições críticas — como o Judiciário e a mídia — e a erosão gradual de normas políticas. Isso tudo foi escrito na apresentação do livro Como as democracias morrem, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, publicado em 2018, há quase uma década.

      A democracia americana está entrando em colapso

      Nesta quarta-feira, 13 de agosto de 2025, num encontro em Brasília, no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), Levitsky elogiou a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) contra os movimentos antidemocráticos no Brasil. “Acho que o STF agiu absolutamente certo ao defender a democracia de forma agressiva contra os movimentos antidemocráticos no Brasil".

      “A democracia americana, vou ser muito claro, está entrando em colapso. Estamos perdendo nossa democracia. Nos últimos meses, os Estados Unidos deslizaram para um regime de autoritarismo competitivo, no qual existem eleições multipartidárias regulares, mas em que há abuso sistemático por parte do governo incumbente contra a oposição”, ressaltou Levitsky.

      O presidente Lula recebeu Levitsky no Palácio do Planalto também na quarta-feira, 13. Em publicação no X, Lula disse: “Em momento em que o extremismo tenta subverter os princípios básicos da sociedade brasileira, inclusive o voto popular, é sempre importante ouvir vozes que defendam a democracia.”

      A subversão por dentro

      Em tempos de crise global da democracia, os exemplos de Jair Bolsonaro e Donald Trump surgem como símbolos de uma era marcada pelo avanço de lideranças autoritárias, eleitas dentro do jogo democrático, mas determinadas a subvertê-lo por dentro.

      O ex-presidente do Brasil e o presidente dos Estados Unidos compartilham não apenas o discurso populista e o ataque sistemático às instituições, mas também um projeto de poder alicerçado na mentira, no golpismo e na negação da legitimidade do processo eleitoral. A diferença crucial está em como as instituições de cada país reagem. É aí que o Brasil dá uma lição aos norte-americanos.

      O populismo golpista travestido de patriotismo

      O presidente Trump e o ex-presidente Bolsonaro não foram apenas presidentes ruins. Foram chefes de Estado (Trump ainda é) que atuaram deliberadamente para corroer as fundações da democracia. Ambos cultuaram narrativas de vitimização, questionaram a lisura do processo eleitoral e estimularam movimentos violentos de ruptura institucional.

      Nos Estados Unidos, Trump incentivou uma horda de apoiadores radicais a invadir o Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Foi uma tentativa grotesca de impedir a certificação da vitória de Joe Biden. Não apenas incitou o levante, como se recusou a agir durante horas para contê-lo.

      Já no Brasil, Bolsonaro seguiu roteiro semelhante: deslegitimou as urnas eletrônicas, flertou abertamente com setores golpistas das Forças Armadas e, diante de sua derrota para Lula em 2022, ele e aliados arquitetaram um plano de ruptura e assassinato do presidente Lula, eleito democraticamente, do vice-presidente Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, do STF, culminando nos ataques terroristas de 8 de janeiro de 2023.

      O sequestro do Congresso

      A tentativa de golpe no Brasil não parou por aí. Continua desesperadamente firme, a exemplo do recente “sequestro” das Mesas da Câmara e do Senado por parlamentares bolsonaristas, que chantagearam o Congresso por 30 horas, no já histórico 5 de agosto de 2025. Além, é claro, das peripécias do filho de Jair, Eduardo Bolsonaro, que fugiu para os EUA em abril deste ano. Lá, o traidor da Pátria consegue tudo que deseja junto ao governo de Trump para chantagear o governo Lula e conspirar abertamente contra a soberania do país, no qual ainda é deputado federal.

      Ambos — Bolsonaro e Trump — utilizaram e continuam utilizando a linguagem do “patriotismo” para mascarar seus intentos autoritários. Ambos mentem sistematicamente e colocam seus projetos pessoais de poder acima da lei e da Constituição.

      Brasil reage, EUA vacilam

      A diferença está na resposta institucional. O Brasil, apesar de seus muitos problemas históricos, agiu. O STF, liderado por ministros como Alexandre de Moraes, reagiu com firmeza diante das ameaças. Investigou, indiciou e tornou Bolsonaro inelegível e já em prisão domiciliar. Não se escondeu atrás de formalismos jurídicos. Enfrentou a besta fera do autoritarismo e continua enfrentando com coragem e responsabilidade.

      Enquanto isso, nos Estados Unidos, o sistema hesitou. Apesar de Trump ter sido alvo de dois impeachments — ambos fracassados por conta da covardia dos senadores republicanos — a responsabilização criminal real continua envolta em disputas jurídicas intermináveis.

      A Suprema Corte dos EUA, longe de ser um bastião da defesa democrática, tem tomado decisões que, na prática, blindam Trump, ao conferir ao presidente uma imunidade parcial que o afasta da responsabilização por atos golpistas enquanto estava e estiver no cargo.

      Como afirmou o cientista político Steven Levitsky, no IDP, em Brasília, na tarde desta quarta-feira, 13, a democracia americana está “entrando em colapso”. Isso porque as instituições falharam em proteger a Constituição de um presidente que a violou repetidamente. A confiança cega de que as “regras do jogo” se sustentariam sozinhas está cobrando um preço alto.

      Omissão institucional é cumplicidade

      A lição é clara: democracias não sobrevivem à passividade institucional. A crença de que basta respeitar rituais para garantir a estabilidade constitucional é ingênua diante de líderes que desprezam esses mesmos rituais. Bolsonaro e Trump só chegaram tão longe porque parte significativa das elites políticas, militares, midiáticas e econômicas os apoiou ou se calou.

      Nos EUA, o Partido Republicano se transformou em um bunker de defesa de Trump, mesmo após o atentado ao Capitólio no histórico 6 de janeiro de 2021. No Brasil, parte do Congresso ainda serve de escudo a Bolsonaro, mas o isolamento político dele cresceu após o fracasso das tentativas do golpe continuado e a atuação firme das instituições. A diferença está no timing e na disposição de agir. O STF compreendeu que não existe neutralidade possível quando a democracia está sob ataque. Já o sistema norte-americano permanece refém da própria paralisia.

      Ameaça viva e presente

      Nem Bolsonaro nem Trump estão politicamente mortos, é claro. Ambos seguem alimentando suas bases com desinformação e promessas de revanche. Continuam ameaçando as instituições democráticas de seus países e de nações que consideram inimigas. E mostram que o autoritarismo, ao contrário do que muitos acreditavam, não precisa de tanques nas ruas. Basta um líder com desprezo pelas regras, um partido cúmplice e instituições lenientes.

      A democracia brasileira vem sobrevivendo e, por pouco, não caiu. A americana ainda pode ruir. A omissão custa caro. E Levitsky acerta ao dizer que as instituições devem se levantar com coragem. Não basta torcer pela democracia: é preciso defendê-la com ações concretas, com responsabilização real e com a coragem de dizer, sem meias-palavras, que golpistas e arremedos de ditadores e de imperadores não passarão impunes.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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