Tempo dos monstros
Quando as estruturas do passado entram em colapso, mas o futuro ainda não está definido
A frase "O mundo velho está a morrer, o novo ainda não nasceu. Este é o tempo dos monstros" é uma referência a Antônio Gramsci e se refere aos períodos de transição social e política, quando as estruturas do passado entram em colapso, mas o futuro ainda não está definido, permitindo que forças reacionárias e extremistas ("monstros") surjam e ganhem força.
Acredito que vivemos esse tempo.
Gramsci, um dos intelectuais que o bolsonarismo nunca leu e, mesmo assim, demoniza, sintetiza nessa frase épocas de grande instabilidade, quando as velhas ordens sociais, políticas ou econômicas se desmantelam, mas nenhuma nova ordem se estabeleceu de forma definitiva. Nesse lusco-fusco surgem os monstros: é o tempo em que as forças reacionárias, o autoritarismo e o extremismo conseguem prosperar e ganhar proeminência.
A frase e a ideia que ela contém possuem relevância e contemporaneidade, pois descrevem o mundo atual, onde se observam conflitos e tensões durante a crise de sistemas antigos e a emergência de novas mentalidades e movimentos.
Há um livro que merece atenção: “O mundo está a morrer. O novo ainda não nasceu. Este é o tempo dos monstros”, de António Avelãs Nunes. Trata-se, essencialmente, de uma análise aprofundada e crítica sobre o cenário geopolítico mundial atual, focando-se em grande parte na Guerra da Ucrânia.
Aliás, o livro é explicitamente subtitulado como "Apontamentos para tentar compreender a Guerra na Ucrânia". O autor não se limita a culpar um lado, mas procura contextualizar o conflito desde o final da Guerra Fria, critica a OTAN e o Ocidente, questiona a manutenção da OTAN e o seu expansionismo na Europa mesmo após o desmantelamento do bloco comunista. Ele sugere que a Europa abdicou da sua autonomia geopolítica e que a guerra na Ucrânia tem raízes mais profundas, remontando à Cúpula da OTAN em Bucareste (2008), quando foi anunciada a entrada futura da Ucrânia na organização.
Num tempo em que o espaço de conforto é criticar Putin, a obra propõe uma análise contra a corrente discursiva ocidental predominante, encorajando o leitor a exercer o "contraditório intelectual" sobre os acontecimentos.
Uma expressão muito interessante que o autor traz é: “Paz Quente”. Ele argumenta que, em vez de uma "Guerra Fria", o que se vive é uma "paz quente", marcada pela busca incessante de dominação política e econômica, com o conflito na Ucrânia servindo de palco para disputas com reflexos globais.
A obra é uma reflexão de geopolítica e história contemporânea que busca fornecer ferramentas para uma compreensão mais complexa e matizada da crise na Ucrânia e da instabilidade mundial, que o autor interpreta como o "tempo dos monstros" da transição.
Nesse tempo de monstros, convivemos com o ressurgimento do nazismo no mundo todo e, a meu juízo, isso tem relação com o desencanto que os povos vivem. Afinal, a democracia liberal não tem compromisso com a democracia idealizada, nem com o bem-estar social: é instrumento de dominação do capital.
Nesse contexto, testemunhamos o declínio americano, ou seja, o poder decrescente dos EUA em vários setores — geopolítica, militar, financeiro, econômico, social, de saúde e ambiental.
Pesquisando, descobri que há estudiosos do declínio dos impérios: são os “declinistas”. Muitos deles acreditam que os Estados Unidos estão em declínio; já os “excepcionalistas” acham que os EUA seguirão como poder dominante por várias décadas.
Numa entrevista que dei ao jornalista Elias Aredes, da Rádio Brasil de Campinas, disse acreditar que, apesar do inegável declínio, os EUA seguirão a exercer seu poder imperial por algumas décadas ainda.
Fato é que China e EUA disputam a dominância global. De acordo com o Asia Power Index 2020, os EUA ainda assumem a liderança em capacidade militar, influência cultural, resiliência e redes de defesa, mas ficam atrás da China em quatro parâmetros: recursos econômicos, recursos futuros, relações econômicas e influência diplomática. Voltamos, então, à ideia de Gramsci.
Outro livro, “Ascensão e Queda dos Impérios Globais”, de John Darwin, examina os principais episódios e a evolução dos impérios, desde a agressão militar dos impérios antigos até a influência cultural das superpotências atuais. A obra oferece uma perspectiva inovadora sobre as origens de fenômenos como a globalização e a modernidade, permitindo ao leitor uma visão global que vai além das perspectivas europeias e ocidentais.
O livro de John Darwin foca nos impérios da Eurásia entre 1400 e 2000, incluindo Tamerlão, os Otomanos, os Mogóis, os Manchus, os Britânicos, os Soviéticos e os nazistas, mostrando sua ascensão, crises e queda. A obra detalha o processo de colonização realizado por potências europeias como Portugal, Espanha, França, Inglaterra e Holanda, e analisa o surgimento dos Estados Unidos como um novo império após a Segunda Guerra Mundial, além do processo de libertação das colônias na África e Ásia.
Eu aconselho a leitura da obra, pois ela é bem didática, bem escrita e técnica, ideal para quem busca conhecimento e compreensão sobre a história evolutiva das nações. Enquanto isso, sigamos nos emocionando e nos empolgando com o presidente Lula, aquele que melhor compreende o nosso tempo e seus movimentos, aquele que nos fortalece para a luta contra o mal e contra os monstros.
Essas são as reflexões.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.