Sonhando Acordado
Memórias de luta, resistência e esperança de um jovem nos tempos da ditadura que ainda inspiram sonhos na democracia atual
Quando eu era jovem dizia e acreditava que um cara como eu tinha que chegar em casa cansado por ter lutado por alguma coisa. Eu vivia assim. Acredito que hoje muitos jovens também vivam assim, mas na realidade não sei. Muita coisa mudou de lá pra cá, sobretudo com o advento das redes sociais. Hoje vejo muito as pessoas brigando nas redes e não nas ruas. No meu tempo de jovem que coincidia com o período da ditadura ir para as ruas para protestar era uma das coisas que nos restava. Muitos optaram pela luta armada e pela clandestinidade, mas nesta batalha cabiam todos. Escolhi ficar por aqui, meio escondido, é verdade, trabalhando com o que eu sabia fazer para a volta da democracia.
Era ditadura braba e hoje fico indignado quando vejo as pessoas dizendo que vivemos numa ditadura. Aí entram as redes sociais. Por um lado, foi bom porque qualquer pessoa hoje pode emitir sua opinião, em compensação, é cada opinião que sai pra lá.
Mesmo com a ditadura fizemos o Pasquim, publicávamos nos jornais enquanto a censura não vinha, criávamos textos e músicas e quando dava até curtíamos seus efeitos. A resistência do povo ajudou a derrubar a ditadura aliada ao próprio fracasso e incompetência dos militares. Mas, durante todo esse tempo, acreditávamos no sonho. Era a época dos Beatles, do rock and roll, e dos hippies, sobretudo. A possibilidade de se criar um mundo onde o amor prevalecesse era real, independente da viabilidade ou não. Era um impulso, um estímulo e lá íamos nós atrás do trio elétrico e desse sonho. Dormia-se pouco mas vivia-se muito. O amor era quase livre e a possibilidade daquele frescor da juventude conquistar o mundo velho e ultrapassado era verdadeira.
O fim da ditadura com a volta dos exilados não fez a coisa murchar, pelo contrário. A euforia daquele povo todo voltando, reencontrando seu país e cheio de energia para trabalhar era uma sensação muito boa. Eu mesmo voltei da Itália atraído pela possibilidade de resgatar por aqui um novo país. Voltei e de fato foi muito bom. Completamente diferente do que a direita vislumbra hoje como um futuro depois da anistia. Eles não querem a democracia. Querem uma ditadura para chamar de sua. Alguns sabem o que é e como se aproveitarão dela. Outros são ingênuos, formados na internet e não sabem do que se trata. Falo aqui do alto da minha experiência própria que não é nada bom.
A democracia, mesmo que capenga, como a nossa, é muito melhor. Cada vitória do governo, cada passo que o país dá em direção a emancipação do povo me deixa emocionado, feliz. É por aí e o tempo para isso renasce sempre. Basta acreditar e continuar lutando. Talvez não como o mesmo vigor da juventude, mas com a mesma fé, a mesma crença. Vamos lá que dá. É só continuar sonhando mesmo que acordado.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.