Soberania e democracia em jogo nos atos de 7 de setembro
Estratégias simbólicas para alcançar um público decisivo
Este 7 de setembro de 2025 foi marcante por apresentar o tom de uma disputa de hegemonia política, no Brasil, que deve perdurar, pelo menos, até as eleições presidenciais de 2026.
Quem assistiu ao pronunciamento do presidente Lula, na noite da véspera da comemoração do Dia da Independência do país, notou que a soberania foi o eixo central da sua fala. Nesse gesto, houve um chamamento ao povo, mirando a defesa da nossa autonomia, associando essa condição à possibilidade do desenvolvimento de um ciclo econômico virtuoso e de avanços em políticas sociais, como o programa Pé-de-Meia e a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até 5 mil reais.
Lula conectou a pauta social ao nacionalismo, denunciando a parte da elite política e econômica que ataca instituições brasileiras, como o judiciário e a própria democracia, e se submete, hoje, aos ditames que o presidente estadunidense Donald Trump vem promovendo, principalmente os tarifaços e a pressão em cima do Poder Judiciário. Não se furtou a tratar também da necessidade de regulamentação das redes digitais e da taxação dos super-ricos.
A mensagem do governo trabalhou com um campo simbólico que tem capacidade de extrapolar a base de apoio da esquerda brasileira, podendo se conectar à população que mais depende do Estado.
Nos atos do campo progressista, no dia seguinte, essa perspectiva se desdobrou em uma incorporação dos elementos do nacionalismo, que, desde as jornadas de junho de 2013, estiveram sempre na atmosfera das manifestações da direita. Ou seja, não estamos, então, falando de um embate simbólico qualquer. Neste percurso de pouco mais de uma década, é a primeira vez que tal disputa entra no cenário. A liderança de Lula se demonstra crucial – cabe indagar se o campo democrático popular encontrará caminhos para difundir a estratégia.
É nesse sentido que compreendo se localizar uma chave central da batalha por hegemonia: os corações, as mentes e o voto da população mais pobre, sobretudo a evangélica.
Nas manifestações da direita, seja em Copacabana, local que acompanhei presencialmente em três diferentes anos (2021, 2022 e 2025) ou na Avenida Paulista, notavam-se as bandeiras dos EUA, de Israel e, predominantemente, a nacional. Ou seja, para o bolsonarismo mais fidelizado, essa combinação é altamente conciliável.
Analisando com detalhes o jogo simbólico da Paulista, a questão estratégica me pareceu girar em torno do eleitorado evangélico mesmo. A ordem dos discursos contou com as presenças do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Partido Novo), de Deltan Dallagnol (ex-deputado e ex-procurador da Lava Jato), do deputado federal pastor Marco Feliciano (PL-SP), da vereadora de Fortaleza Priscila Costa (vice-presidente do PL Mulher), de Valdemar Costa Neto (presidente do PL) e de Fernando Holiday (PL-SP), conectando, assim, o público mais jovem, negros, mulheres e conservadores, de um modo geral.
A “cereja do bolo” dessa manifestação, contudo, pareceu estar guardada para o bloco das falas dos protagonistas, que vieram na sequência, distribuindo-se na seguinte ordem: o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos), o pastor Silas Malafaia (principal organizador do ato) e Michele Bolsonaro (presidenta nacional do PL Mulher). Ao que tudo indica, o espólio do voto bolsonarista vai perpassar esses três nomes.
Tarcísio defendeu a bandeira da anistia e Bolsonaro candidato, bem como atacou o ministro do STF Alexandre de Moraes. O pastor Silas Malafaia se destacou na agitação política, desqualificou o processo de julgamento da tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 e se vitimizou, alegando perseguição religiosa também. Michele Bolsonaro fechou o ato. Apresentando-se como cuidadora de Bolsonaro, proporcionou comoção ao público, alegando um drama pessoal, e reivindicou a pauta conservadora.
O tom do movimento foi um tanto quanto religioso, talvez um pouco mais acentuado do que os demais atos de 7 de setembro, quando Bolsonaro era presidente da República.
Se o governo Lula dispõe de uma grande possibilidade de avanço no convencimento ideológico, em que a própria conjuntura (dentro e fora do país) o tem favorecido politicamente, ele conta também com a máquina de governo para proporcionar ganhos reais à população, e isso pode ser cabal no ano que virá.
Até então, a direita parece seguir apelando para a batalha ideológico-religiosa, o que faz sentido na falta de uma concretude de propostas sociais.
Se considerarmos o público de direita presente nos atos anteriores de 7 de setembro, notamos um esvaziamento, ainda que a direita tenha maior capacidade de preencher as ruas do que a esquerda, ultimamente. Mas vale lembrar que nem no auge do governo Bolsonaro esse fator assegurou a sua reeleição. Pautas ainda persistentes – como “Fora STF” e “meu partido é o Brasil” – e as mais recentes – “reaja, Brasil”, “liberdade para Bolsonaro” e anistia – não vão nos calar; não mudam as perspectivas mais urgentes das vidas das pessoas.
Toda esta conjuntura contempla também, em um mesmo intervalo de tempo, o julgamento sem precedentes de figuras do alto comando das Forças Armadas e a possibilidade de condenação inédita de um ex-presidente por tentativa de golpe de Estado.
A realidade contemporânea enaltece quais perspectivas de democracia estão em questão. O debate atravessa desde o respeito às regras do jogo até as defesas de liberdades individuais; envolve a possibilidade de avanços na democracia social e econômica ou até mesmo a supressão da democracia política e da soberania.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.