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José Guimarães

Advogado, deputado federal e Líder do Governo na Câmara dos Deputados

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Sem justiça fiscal não haverá redução da desigualdade

Fazer justiça tributária no Brasil é mexer num vespeiro

Moedas de real (Foto: REUTERS/Bruno Domingos)

Para início de conversa, a carga tributária no Brasil é menor que a média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (38 países, a grande maioria da Europa) variando entre 32% a 33%. Nos demais países, entre 34% e 35%. Não é tão elevada quanto se alardeiam. O problema são os privilégios fiscais dos mais ricos e o impacto da tributação na população de menor renda e em situação de extrema pobreza. É isso que tem que ser resolvido e o Congresso Nacional não pode se negar a ajudar o Brasil a superar essa pendência histórica. 

Fazer justiça tributária no Brasil é mexer num vespeiro. Desde a proclamação da República, em 1889, os ricos, os donos da produção de quem trabalha, resistem bravamente a pagar impostos. Os anos se passaram e a mentalidade  colonial de muitos permaneceu. 

Afinal, quem banca a República no Brasil é a classe média e as pessoas de menor renda, que pagam impostos descontados diretamente na folha de pagamento de salários, nas compras que fazem e nos contratos de prestação de serviços.

O fato é que os ricos não querem pagar impostos, se beneficiam de renúncias fiscais e isenções, sem falar na sonegação tributária, praticada por grande parte deles. 

Por exemplo, há cerca de R$ 1,7 trilhão aplicados em títulos no mercado financeiro, gerando polpudos lucros e dividendos, sem pagar impostos. 

Há mais de R$ 800 bilhões em renúncias e isenções fiscais, o equivalente a 4,8% do PIB. Ou seja,  recursos que a Receita Federal deixa de receber de empresas que não pagam impostos. As bets e as fintechs - entre o que recebem de apostas e o que pagam de prêmios - estão lucrando cerca de R$ 40 bilhões, sem gerar empregos.

Em recente pronunciamento, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, revelou dados impressionantes   sobre a sonegação de impostos no Brasil. Segundo dados da Receita Federal, a sonegação ultrapassou R$ 500 bilhões por ano e o contencioso tributário chegou a R$ 5,5 trilhões. Com apenas 10% desse total zeraríamos o déficit de R$ 50 bilhões. E o que se ouve repetido à exaustão são frases surradas como “tem que cortar gastos”, “a conta não fecha”. Evidentemente, a conta não fecha porque não pagam o que devem ao país.

Já imaginou a soma desse imenso volume de recursos sonegados, mais os recursos das isenções, o que se deixou de arrecadar de aplicações no mercado financeiro e os dos lucros das bets e fintechs, sendo investidos na erradicação da fome e da pobreza extrema, em saúde pública, em educação de qualidade, na pesquisa científica, na habitação, no transporte e em outras áreas, para redução da desigualdade e alívio do sofrimento da população de menor renda ou em estado de vulnerabilidade social?

O Brasil é o segundo país mais desigual  do G-20 (as 20 maiores economias do mundo) com os 10% mais ricos detendo quase 60% da renda nacional. Desigualdade alimentada pelos privilégios de classe, por um sistema tributário injusto, com o peso dos impostos recaindo sobre a classe média e a população de menor renda. 

No Brasil, menos de 100 pessoas concentram R$ 146 bilhões, enquanto dezenas de milhões enfrentam a insegurança alimentar e a falta de acesso a saneamento básico. Temos que superar essa herança colonial e fazer justiça fiscal: criar meios para que os mais ricos paguem mais e os de menor renda ou de renda ou sem renda paguem menos. Quanto menos desequilíbrio fiscal, menos desigualdade.

Outro agravante que precisa ser enfrentado é a irracional política monetária do Banco Central autônomo, que levou o país a ostentar a indecente segunda maior taxa de juros do mundo. Considerando o atual patamar da  Selic, o dispêndio do setor público, em 12 meses, com a rolagem de seu débito deve superar inéditos R$ 1 trilhão de pagamento de juros até o final do ano. Imagina quanto o sistema financeiro está ganhando e concentrando a renda da população. Aumentar a taxa de juros é multiplicar a dívida pública.

Apesar do governo anterior ter furado o teto de gastos em R$ 795 bilhões, os acordos de negociação com os estados foram feitos, os precatórios foram pagos, os fundos de participação dos  estados e dos municípios aumentaram  com o crescimento da economia e foi aberto um debate sobre renegociação de dívidas com os estados. Foi aprovada a Reforma Tributária, que moderniza, dá eficiência e corrige distorções do sistema tributário, e o Ajuste Fiscal Sustentável, medidas que organizam as contas públicas de forma racional sem aumentar impostos. A aprovação desse conjunto de medidas teve a participação  do Congresso Nacional num momento elevado da articulação política do Governo Lula com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira, mais os líderes dos partidos da base de apoio, assim como os relatores das matérias, na aprovação de todas as propostas encaminhadas pelo Governo. Isso precisa ser reconhecido. A expectativa é de que esse compromisso republicano e democrático se repita no diálogo que se inicia para aprovação das medidas de aperfeiçoamento do ajuste fiscal.

O Governo Lula tem um Projeto de Desenvolvimento Sustentável com Justiça Social e Ambiental aprovado nas urnas e escolheu investir na reconstrução do país com prioridade na emergência social de erradicação da fome e da pobreza extrema, na economia e na infraestrutura. 

Programas sociais foram retomados, ministérios recriados, e o país voltou a crescer, a bater recordes de  empregos e de renda, com a inflação controlada. Os indicadores são incontestáveis. 

Diferentemente de governos ideologicamente obcecados por cortes brutais de investimentos em políticas públicas, como é o caso de Javier Milei, que levou a Argentina ao desemprego estrutural, a mais de 60% da população à pobreza, e Donald Trump, que também está levando os Estados Unidos à recessão, a mais inflação e ao desmanche institucional do país, com cortes de recursos das políticas públicas, aprofundando ainda mais a desigualdade. 

As medidas do Governo Lula, de promoção da justiça tributária, de readequação do ajuste fiscal, causaram grande polêmica, por proteger quem ganha menos e por elevar a contribuição de quem ganha mais. Isso porque, recentemente, foi enviado ao Congresso Nacional uma Medida Provisória que isenta de pagar imposto de renda quem ganha até R$ 5 mil. Em seguida foi editado um decreto que aumentou a alíquota de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) em algumas operações, como a compra de moedas estrangeiras e o uso de cartão de crédito no exterior, entre outras. O alvoroço foi tão grande que causou a aprovação da urgência de um Projeto de Decreto Legislativo, na Câmara, para anular o decreto do governo. O decreto aumentava, modestamente, alíquotas em outras frentes. 

Após reunião com os presidentes  do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Hugo Motta, mais os líderes dos partidos da base, com diálogo franco e democrático, foi negociada uma proposta alternativa, na qual prevaleceu avanços na justiça fiscal.  

As alíquotas de IOF serão readequadas e reduzidas. A alíquota fixa do IOF aplicável ao crédito à pessoa jurídica cai de 0,95% para 0,38%. O IOF sobre a operação de crédito conhecida como risco sacado (Adiantamento do valor de uma fatura a um fornecedor, assumindo o risco de pagamento do cliente) não tem mais alíquota fixa, apenas a diária, de 0,0082%. Isso significa redução de 80% na tributação do risco sacado. Essa mudança atende a pleitos de diferentes setores produtivos e financeiros. Para mitigar distorções foi estabelecida uma alíquota fixa de 0,38% na aquisição primária de cotas de Fundos de Investimento em Direito Creditório - FDIC, e outras propostas.

Quanto à Medida Provisória, será padronizada a tributação incidente sobre aplicações e instituições do sistema financeiro. Será ampliada a possibilidade de compensação entre ganhos e perdas. A compensação da renda variável poderá ser feita entre diferentes tipos de investimento no sistema financeiro. Não se trata de tributação. Na busca de isonomia e simplificação tributárias, passará a incidir imposto de renda, com alíquota de 5%, nas novas emissões de títulos que hoje são isentos, como LCA, LCI, CRI, CRA e debêntures incentivadas. Em relação aos demais títulos, sobre os quais já incide imposto de renda, haverá harmonização tributária: independente do tempo de investimento, o imposto de renda será de 17,5%. Ou seja, nada muda na tributação da caderneta de poupança. No caso das instituições do sistema financeiro, as alíquotas de CSLL (Contribuição Sobre Lucro Líquido), hoje vigentes, não sofrerão majoração. O que a Medida Provisória muda é a distribuição das instituições entre as alíquotas já existentes. Nas apostas esportivas, a tributação sobre o faturamento das bets será elevada de 12% para 18%, mas nada muda para os prêmios pagos ao apostador e para o imposto de renda e a CSLL cobrada da empresa. Esse aumento será destinado a ações da saúde. A Medida Provisória também prevê o combate a agentes ilegais, sem autorização. A MP coíbe compensações abusivas de crédito tributário e aumento de compensações tributárias ilegais. A Medida Provisória traz também ajustes relevantes das despesas públicas. As medidas englobam a inserção do programa Pé-de-Meia no piso constitucional da educação, mudança nas regras do Atestmed (serviço digital do INSS para solicitação de benefícios por incapacidade temporária), sujeição à dotação orçamentária da compensação financeira entre o Regime Geral de Previdência Social, os regimes de previdência dos servidores públicos e, em relação ao Seguro Defeso (Surpreendentemente, cresceu 57% neste ano, com indícios de fraude), ajustes nos critérios de acesso e sujeição à dotação orçamentária.

Reduzir a desigualdade começa pela redução dos privilégios de classe. Quem ganha mais deve pagar mais. Quem ganha menos deve pagar menos ou serem isentos. O que provocou tamanha reação foi o fato de isentar de imposto de renda quem ganha até R$ 5 mil e em seguida editar um decreto que aumentou a alíquota do IOF, para que os ricos dessem sua contribuição. Esse debate terá que ser enfrentado antes que seja tarde. A hiperconcentração de renda no ritmo acelerado e o aumento da pobreza alargando a base da pirâmide poderá levar o Brasil ao abismo. 

Precisamos superar nossa herança colonial, nossas pendências históricas, fazer justiça fiscal, reduzir a desigualdade, construirmos um país democrático, justo e livre, sem pobreza, ambientalmente equilibrado, com pessoas dignas, que possam se orgulhar do país que vivem.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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