Salvador recebe segunda edição da Mostra Filmíticos e celebra os mitos que moldam o pensamento humano

A capital baiana se tornou palco de uma imersão profunda e sensível nas cosmologias de diferentes povos com a chegada da segunda edição da Mostra Filmíticos: a lógica do sensível e outras variações míticas, iniciada no dia 3 de agosto de 2025, com programação até o dia 8, na Saladearte Cinema da UFBA.

Participei da sessão inaugural no domingo (3/08) e posso afirmar: a experiência ultrapassa os limites do cinema. Com curadoria de Jonatas Rubert e Juliana Costa, a mostra apresenta uma seleção de obras que não apenas evocam mitos ancestrais, mas nos inserem em suas atmosferas sensíveis e transformadoras.

Curtas exibidos na abertura: uma viagem pelas mitologias e estéticas plurais - Na abertura, foram exibidos quatro curtas-metragens, cada qual com um universo próprio:

• A menina e o Pote (Valentina Homem – 2024)
  Uma fábula distópica animada que mergulha o espectador em uma jornada por universos paralelos, após uma menina quebrar um pote cerâmico com segredos antigos. A sensação é como se estivéssemos em um psicodélico do Pink Floyd ilustrado por Van Gogh: surreal, hipnotizante, profundamente comovente.
• Fè Mye Talè (Henrique Lahude e Alix Georges – 2018)
  Um drama histórico que nos transporta à revolução haitiana de 1791, interligando passado e sonho num retrato potente de luta e ancestralidade negra. Phenite, personagem central, emigra para o Brasil em busca de liberdade entre tempos.
• Osiba Kangamuke: Vamos lá, criançada (Haya Kalapalo e colaboradores – 2017)
  Documentário que revela a vida nas aldeias Kalapalo pelos olhos das crianças. A simplicidade com que encaram mitos e ancestralidade é tocante e um convite à escuta de saberes cotidianos.
• Abigail (Valentina Homem e Isabel Penoni – 2016)
  Este curta, de apenas 16 minutos, traz a trajetória da encantadora Abigail, iniciada no candomblé, e sua profunda vivência com os povos originários. A obra é de uma magnificência hipnótica, digna de render uma tese multidisciplinar. Suspense, fascínio e reverência à ancestralidade se entrelaçam com maestria.

Muito além do cinema: um projeto necessário e engrandecedor - O que mais me impressionou foi o zelo curatorial, a profundidade das obras exibidas e o material impresso cuidadosamente preparado, que introduz o espectador à complexidade dos temas abordados. O debate pós-sessão foi um espetáculo à parte — reflexivo, generoso e enriquecedor, repleto de trocas e aprendizados.

A Mostra Filmíticos é parte do Circuito Mitológicas, que celebra os 60 anos da obra As Mitológicas, de Claude Lévi-Strauss, um marco da antropologia estrutural. Coordenada pelo professor Vítor Queiroz (PPGAS/UFRGS), a mostra integra a programação oficial da Reunião de Antropologia do Mercosul (RAM).

Cinema como janela para os mitos do mundo - Participar de um projeto como este é fundamental para o entendimento do surgimento das religiões, mitologias e cosmologias. Em um mundo frequentemente desconectado de seus fundamentos simbólicos, obras como Abigail e A menina e o Pote nos reconectam ao imaginário ancestral e à humildade necessária para reconhecer tamanha riqueza.

Até 08 de agosto — não perca! - A Mostra Filmíticos segue até o dia 8 de agosto de 2025, com sessões na Saladearte – Cinema da UFBA. Salvador, mais uma vez, se mostra privilegiada em receber eventos de tamanha magnitude, que não apenas celebram o cinema, mas elevam o pensamento, o diálogo entre saberes e a valorização das cosmologias dos povos originários e afro-diaspóricos.

Se você deseja se conectar ao mundo dos mitos de forma sensível, artística e instigante, não perca a chance de mergulhar nessa mostra transformadora.