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Leopoldo Vieira

Jornalista profissional, pós-graduado em Administração Pública e Ciência Política. Trabalhou como analista sênior de política na Faria Lima (TradersClub) e nos ministérios do Planejamento, Secretaria de Governo e Relações Institucionais nos governos Dilma Rousseff e Lula

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Queda de MP deve fortalecer Lula, enfraquecer Centrão e acender alerta no mercado

Planalto obteve pretexto para relançar pautas populares já planejadas, como o fim da escala 6x1, junto a uma opinião pública nitidamente receptiva a elas

Hugo Motta e Lula (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)

Com a derrota da Medida Provisória (MP) que buscava fechar as contas do arcabouço fiscal por meio da taxação do chamado “andar de cima” na Câmara dos Deputados, o governo Lula retomou a narrativa distributiva, que suplantou a do "impostômetro", e reforçou a linha de contraposição ao establishment político e econômico, considerada central para a recente recuperação da popularidade presidencial.

Ao mesmo tempo, o Poder Executivo manteve margem de ação para adotar medidas que preservem o arcabouço fiscal, mas sob o argumento de proteger as políticas sociais. Além disso, o Palácio do Planalto obteve um pretexto para relançar pautas populares já planejadas, como o fim da escala 6x1, junto a uma opinião pública nitidamente receptiva a elas.

CUSTO DO "SEMIPARLAMENTARISMO"

Embora o Centrão tenha reagido ao avanço do leve favoritismo de Lula com a derrubada da MP, as pesquisas renovaram a vantagem do presidente, encorajando o Planalto a transformar o revés em oportunidade de mobilização digital e social, impulsionada também pelo progresso do distensionamento das relações entre Brasília e Washington. Assim, o movimento do bloco pode ampliar o desgaste e a desaprovação do Legislativo, o Poder mais impopular. 

A consolidação e o desenvolvimento da polarização no Brasil geraram um custo ao que especialistas classificam como "semipresidencialismo" ou "semiparlamentarismo": a regulamentação das emendas parlamentares, seu enfraquecimento como instrumento eficaz de governabilidade, o risco de revisão constitucional do orçamento impositivo e o desgaste acentuado da imagem pública do Legislativo.

O atual contexto sugere que mensurar o impacto de medidas do Parlamento na opinião pública, e do Executivo no mercado, é mais significativo do que calcular as chances de pautas governamentais avançarem ou não no Congresso por meio de instrumentos tradicionais de "articulação política", o que questiona avaliações de que o Planalto errou ao ameaçar cortar emendas e recorrer à mobilização da sociedade para manter a MP.

UM "CIRCUIT BREAKER"?

Já o mercado financeiro antecipa os embates fiscais esperados para 2027: o adiamento das previsões de corte de juros sugere tentativa de dar novo impulso à “mudança de regime” em 2026, expectativa que perdeu fôlego desde o avanço governista com a campanha pela justiça tributária após a derrubada do decreto que aumentava o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para rendas superiores.

Entre investidores e empresários, ganha força a leitura de que o país pode viver uma crise política semelhante à de 2016, caso o próximo presidente resista a um ajuste fiscal duro. Tal visão, no entanto, despreza que a deposição de Dilma Rousseff –  atual CEO do Banco dos BRICS –  decorreu, essencialmente, da forte erosão de popularidade provocada por medidas defendidas pela Faria Lima e pelo Centrão, o que não está no radar atual, como apontou o "ajuste compartilhado com o andar de cima" do final do ano passado.

Para analistas, a saída do conflito que se arrasta desde 2013 só será possível, a partir de 2027, com um novo acordo fiscal que concilie austeridade, prerrogativas dos Poderes, pressões climáticas e demandas sociais. Sem isso, será inviável uma agenda de consenso.

DIAS SEGUINTES

As próximas pesquisas revelarão os rumos da disputa política nacional e como se reposicionarão seus principais jogadores, testando se o Centrão acertou quando decidiu pagar para ver se o Planalto e o PT dobrariam a aposta na mobilização social e digital

Na semana que vem, por enquanto, o foco deve ser a contradição entre os anúncios do governo Lula para corrigir os efeitos da derrubada da MP e a tentativa da oposição de colocar em pauta o "PL da Dosimetria", que busca garantir o ex-presidente Jair Bolsonaro fora das urnas eletrônicas e da Papuda.

A proposta não tem data para votação, mas cresce a desaprovação popular: 52% são contra a redução de penas e 47% rejeitam a anistia, segundo a Quaest. Ironicamente, a eventual aprovação do "PL da Dosimetria" pode favorecer um ambiente ainda melhor para o avanço das tratativas Brasil-EUA, a cereja do momentum lulista, sobretudo com Marco Rubio, secretário de Estado americano, liderando a representação da Casa Branca. 

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.