Prezada jornalista, receba essas mal traçadas linhas
A resposta chegou em um tom tão anódino quanto intrigante
Nesta segunda-feira (01/09), vi que circularam na mídia matérias alusivas a uma “orientação” do Comando do Exército para que as unidades militares ficassem atentas sobre possíveis aglomerações em seus portões. Como as notícias aludiam a uma instituição e não exibiam nota oficial ou aspas do comandante Tomás Paiva, resolvi me dirigir ao Centro de Comunicação do Exército, solicitando confirmação da ordem, por escrito, ou um desmentido, se fosse o caso. A resposta ao pedido feito à tarde (às 16h04) chegou às 18h54, em um tom tão anódino quanto intrigante.
Confesso que, ao ler, me veio à lembrança a carta assinada pelos três comandantes das Forças Armadas, tornada pública em 11 de novembro de 2022, quando esses senhores ainda hesitavam na soleira do golpe, enquanto na maçaneta da porta havia uma tabuleta: “entre sem bater”. O que houve é que os comandantes entraram, tomaram um café com bolinhos de chuva, prosearam e depois bateram em retirada, mas atrás de si deixaram essa nódoa, a carta em que defendiam a permanência dos golpistas em seus portões, em nome de uma “liberdade de expressão” que depois nós vimos onde foi desaguar: na invasão dos três prédios dos poderes em Brasília.
E o que tem a minha solicitação a ver com a carta dos comandantes? Além de estar na pauta do julgamento do golpe, não deveria ter nada. Porém, um pouco antes, eu havia conversado com dois interlocutores privilegiados da cúpula militar para sentir a pulsação no QG antes do início do julgamento.
Um deles me contou que havia um tremendo ressentimento na cúpula. Tentativas infrutíferas de retirar da condenação nomes como os do ex-ministro do GSI, Augusto Heleno, do ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio de Oliveira, e do comandante da Marinha, Almir Garnier. “Não aceitam que fiquem presos de jeito nenhum”, me dizia essa fonte. “Arrolados como réus, existem até 25 nomes de diferentes núcleos de ação. Como o Supremo dividiu, embora eu discorde de terem tirado o general Mario Fernandes do núcleo crucial, o que é uma maluquice”, protestou. “Dos 25 nomes, eles consideram três absolutamente perdidos: o Mauro Cid, o Walter Braga Netto e o Mario Fernandes, por ter feito a burrice de confessar. É assim que veem”, detalhava. Os demais, na visão do Alto Comando, de acordo com essa fonte, deveriam ser inocentados.
Em seguida, conversei com outro amigo, esse bastante próximo a um grande quadro do Exército – o comandante Tomás Paiva –, que se empenhou em expor o quanto Paiva era dedicado em pacificar as fileiras e fazer com que prevaleça a hierarquia e a paz nos quartéis. Nesse particular, o julgamento, a posição do Comando, ele me garantiu, é de que sejam logo punidos os culpados, para a vida na caserna seguir em frente.
Ao cair da tarde, eu recebo o retorno do meu questionamento, que aqui exponho a vocês:
“Prezados Srs. do Centro de Comunicação do Exército,
Boa tarde,
Gostaria de saber se é real a notícia de que o comando expediu ordem para que os comandantes de unidades militares fiquem atentos a possíveis aglomerações na porta dos quartéis de amanhã (02/09) ao dia 7 de Setembro.
Cordialmente,
Denise Assis - Portal Brasil 247”.
Resposta recebida:
“Prezado (Sic) jornalista Denise Assis,
Em resposta à demanda encaminhada por e-mail em 1º de setembro de 2025, o
Centro de Comunicação Social do Exército informa que o Exército Brasileiro
pauta sua atuação pela legalidade e pela preservação da ordem pública,
sempre nos limites da Constituição Federal, das leis e das decisões
judiciais. A Instituição respeita a livre manifestação política, desde que
realizada em locais adequados e na forma prevista pela legislação vigente.
Atenciosamente,
CENTRO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DO EXÉRCITO
EXÉRCITO BRASILEIRO
BRAÇO FORTE - MÃO AMIGA”
Inevitavelmente uma luz amarela se acendeu sobre a minha cabeça e começou a piscar: “11 de novembro de 2022!” – A carta! Trechos muito semelhantes! Me espantei. Qual era, enfim, a “charada?”
As palavras do meu amigo sobre a postura progressista do comandante do Exército ainda ecoavam na minha mente. Ao mesmo tempo, a resposta do Centro de Comunicação do Exército, que deveria representar a resposta de Tomás Paiva, não batia com o texto, que muito lembra a mensagem golpista de 2022.
Que leitura fazer? O oficial que me atendeu reza na cartilha golpista, ficou intocado na função e responde o que quer? Ou o comandante Tomás Paiva tem um discurso confuso? Colheram dele, o que deveria ser dito? Ou no gabinete? E se, naquele dia o oficial nem foi até lá? Confesso que, mesmo me concentrando na “leitura silenciosa” do texto, acima, fiz uma interpretação possível: não foi dada ordem alguma, pois para o comandante cada um se expressa como quer, no espaço que quiser (desde que no espaço adequado?). E se ele considera que a frente dos quartéis também é um local adequado?
(Valha-nos Deus! Lá vêm eles de novo!!!)
Ou apostar que esse oficial, por se tratar de um canal alternativo, de esquerda, resolveu troçar e apostar que eu repassaria a resposta sem considerar o seu teor, promovendo um verdadeiro “chamamento” aos amarelinhos de volta, aos portões dos quartéis. De todo modo, é grave a linguagem empolada que usam para responder sem dar resposta alguma. (Leiam abaixo, na íntegra, a carta expedida pelos comandantes no umbral do golpe, em 11 de novembro de 2022).
Às Instituições e ao Povo Brasileiro
Acerca das manifestações populares que vêm ocorrendo em inúmeros locais do País, a Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira reafirmam seu compromisso irrestrito e inabalável com o Povo Brasileiro, com a democracia e com a harmonia política e social do Brasil, ratificado pelos valores e pelas tradições das Forças Armadas, sempre presentes e moderadoras nos mais importantes momentos de nossa história.
A Constituição Federal estabelece os deveres e os direitos a serem observados por todos os brasileiros e que devem ser assegurados pelas Instituições, especialmente no que tange à livre manifestação do pensamento; à liberdade de reunião, pacificamente; e à liberdade de locomoção no território nacional.
Nesse aspecto, ao regulamentar disposições do texto constitucional, por meio da Lei nº 14.197, de 1º de setembro de 2021, o Parlamento Brasileiro foi bastante claro ao estabelecer que: “Não constitui crime […] a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais, por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais”.
Assim, são condenáveis tanto eventuais restrições a direitos, por parte de agentes públicos, quanto eventuais excessos cometidos em manifestações que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública; bem como quaisquer ações, de indivíduos ou de entidades, públicas ou privadas, que alimentem a desarmonia na sociedade.
A solução a possíveis controvérsias no seio da sociedade deve valer-se dos instrumentos legais do estado democrático de direito. Como forma essencial para o restabelecimento e a manutenção da paz social, cabe às autoridades da República, instituídas pelo Povo, o exercício do poder que “Dele” emana, a imediata atenção a todas as demandas legais e legítimas da população, bem como a estrita observância das atribuições e dos limites de suas competências, nos termos da Constituição Federal e da legislação.
Da mesma forma, reiteramos a crença na importância da independência dos Poderes, em particular do Legislativo, Casa do Povo, destinatário natural dos anseios e pleitos da população, em nome da qual legisla e atua, sempre na busca de corrigir possíveis arbitrariedades ou descaminhos autocráticos que possam colocar em risco o bem maior de nossa sociedade, qual seja, a sua Liberdade.
A construção da verdadeira Democracia pressupõe o culto à tolerância, à ordem e à paz social. As Forças Armadas permanecem vigilantes, atentas e focadas em seu papel constitucional na garantia de nossa Soberania, da Ordem e do Progresso, sempre em defesa de nosso Povo.
Assim, temos primado pela Legalidade, Legitimidade e Estabilidade, transmitindo a nossos subordinados serenidade, confiança na cadeia de comando, coesão e patriotismo. O foco continuará a ser mantido no incansável cumprimento das nobres missões de Soldados Brasileiros, tendo como pilares de nossas convicções a Fé no Brasil e em seu pacífico e admirável Povo.
Brasília/DF, 11 de novembro de 2022.
Almirante de Esquadra ALMIR GARNIER SANTOS
Comandante da Marinha
General de Exército MARCO ANTÔNIO FREIRE GOMES
Comandante do Exército
Tenente-Brigadeiro do Ar CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA JUNIOR
Comandante da Aeronáutica
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.