“Pejotização’’
Ser “PJ” não é questão de escolha do trabalhador, mas da empresa
Na semana passada a bela Patrícia Poeta (R$ 400 mil/mês) fazia um bate bola com César Tralli (R$ 350 mil/mês). Em determinado momento, a conversa migrou para o caso do entregador do iFood que levou um tiro na perna: Valério (máximo de R$ 9 mil por mês). O entregador do IFOOD passou a participar do bate bola. A jornalista conduziu o debate, explorando as diferenças entre um empregado e um “PJ” naquela situação.
Depois um jovem advogado foi chamado para falar dos direitos (na verdade, a ausência deles) de um ‘PJ”. Ao final do bloco, a nota do IFOOD foi lida, dizendo que colocou à disposição do profissional que usa a ‘plataforma” seu departamento jurídico e a assistência psicológica.
O profissional disse que terá que fazer várias cirurgias para se recuperar. Ele não poderá trabalhar e, sem trabalhar, nada ganhará. Patrícia fez cara de constrangida e disse só 1 de cada 4 entregadores são cobertos pela lei. Tralli num exercício de ocultismo, tinha desaparecido.
Na minha infância na cidade mãe do céu, subdistrito do Tatuapé, tinha um vizinho espanhol, o “seo” Pedro. Me chamava a atenção a sua calma e a capacidade de dizer palavras duras com naturalidade. Pensei nele agora porque tenho vontade de dizer a Patrícia: Que carajo de entrevista! Onde já se viu chamar motoqueiro de profissional? Por acaso já viu um motoqueiro amador? E você Tralli, onde estão seus “cujones’? Que conversa é essa de plataforma? Por acaso está vendo algo sendo carregado?
“Seo” Pedro era avesso a conversas alucinadas, para ele tudo tinha que ser claro, sem enrolação. O IFood é uma empresa e ponto final. Motoqueiro é um tipo de office boy, que tem patrão. E plataforma é um tipo de caminhão.
Um trabalhador pode prestar serviços inestimáveis a sua empresa, o que não é o caso, mas isso não o torna uma empresa ou “PJ”. Uma empresa requer um conjunto de saberes. Pode ser coisa de uma só pessoa, o que é raro. Normalmente exige o esforço de muitos, cada um cumprindo um papel para o atingimento do resultado.
Ao obedecer a um aplicativo, os motoboys assemelham-se aos trabalhadores subordinados a ordem das máquinas, tal qual Marx descreve com precisão, no capítulo XIII de O capital. Subordinado a um aplicativo, a ‘plataforma digital’ controla o “prestador” minuto a minuto. São uma versão Orwelliana de trabalhadores de um futuro distópico.
Ser “PJ” não é questão de escolha do trabalhador, mas da empresa, seja ela IFood, Uber ou Quinto Andar. E aqui há a conivência do Estado, que criou o microempreendedor individual (MEI), que pode ‘legalizar” o trabalho informal, ao menos em parte, mas desorganiza o mercado de trabalho.
Patrícia e Tralli também são PJ, em um nível muito elevado de renda. Esta é uma forma comum de profissionais qualificados escaparem dos elevados encargos trabalhistas, que podem ser iguais ao salário. Já imaginou o Tralli custando mais um salário ao mês? Esse debate se estende há décadas, sem solução. Nossos congressistas andam muito ocupados, brincando de serem prefeitos, com o orçamento impositivo e secreto. Nada fazem do que se espera de um parlamentar frente aos grandes temas nacionais: fazer Leis!!
O Executivo poderia propor uma revisão da legislação trabalhista, como a CUT propunha nos anos 1990. Mas alianças eleitorais travam qualquer debate. Estamos ainda presos a velha e centenária Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.
Agora com a massificação da Pejotização , baseado em arremedos como o MEI, o STF resolveu por sua colher nesse angu. Na minha opinião vai ser uma enorme confusão. E será muito bem-vinda. O STF não faz leis, mas na omissão daqueles que deveriam legislar, acabam reinterpretando as leis que já existem, atualizando o marco legal.
Acredito que a legislação da MEI abriu uma enorme brecha na CLT, que a médio prazo criará a um gigantesco exército de trabalhadores sem direito previdenciário, levando ao impagável as despesas públicas com o BPC-LOAS e Bolsa Família.
A meu ver o caminho seria tornar o emprego” com carteira” menos oneroso e burocrático para os patrões e definir quem poderia (ou não) ser ‘pejotizado’. Os contratantes de PJ’s deveriam ter algumas atribuições em relação aos contratados, que poderiam surgir de contratos coletivos renováveis de tempos em tempos. Caberia ao Estado exigir uma contribuição previdenciária mais adequada que a dos MEI
É seo Pedro, nós aqui discutindo o passado e o futuro batendo na porta!
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.