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Ivan Guimarães

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Os homens, as salsichas e as leis

A política brasileira segue refém de interesses escusos, onde a moralidade é deixada de lado em nome da proteção de uma elite parlamentar

Congresso Nacional - 16/09/2024 (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)

Uma das mais espirituosas frases sobre política é atribuída a Otto Von Bismarck, mais ou menos assim: “Os cidadãos não poderiam dormir tranquilos se soubessem como são feitas as salsichas e as leis".

Trata-se de uma comparação entre coisas muito diferentes, mas que têm algo em comum: ninguém sabe exatamente como são feitas, mas a maioria tem vagas noções.

Salsichas são produzidas há mais de 5.000 anos, desde o império sumério — aquele que sabia que a Terra orbitava o Sol. Encher tripas (intestinos) de animais com carne cozida e temperada e, às vezes, defumada, não é nada demais. O resultado pode ser salsicha, linguiça ou até mesmo um salame. Mas um prussiano teria memória afetiva das “Frankfurter” ou “bratwurst”. Daí a menção às salsichas.

No final do século XIX, o governo dos teutônicos já sabia que era duvidoso que apenas carnes de animais nobres (bovinos, suínos) compusessem as salsichas. Na certa, supunha-se que outras carnes (aves, peixes...) fossem utilizadas. Mas duvido que, mesmo no seu pior pesadelo, imaginasse o uso de “proteínas vegetais” (soja), como é comum nos dias de hoje. Havia uma moralidade a ser seguida. Melhor não contar isso ao povo.

E as leis? Além do complexo processo legislativo, há todo um jogo de interesses ao redor da aprovação de uma lei. E a moralidade desaparece.

Por exemplo, a recente ‘PEC da blindagem’ moveu interesses inconfessos, mas facilmente perceptíveis. Os senadores e deputados da oposição tomaram as mesas do Congresso, supostamente em defesa do ex-presidente, o inominável. Num acordo (?), deixaram o plenário pela aprovação da tal PEC. Houve forte reação da sociedade, mas parlamentares governistas forçavam a votação.

Mas sem divulgar o texto real da PEC. Ao ser conhecido, revelou-se a “PEC da bandidagem”, que atribuía aos parlamentares o direito de nunca serem investigados.

Isso interessava aos parlamentares investigados nas “emendas Pix”, uma enorme caixa preta cujas investigações têm revelado fraudes milionárias. Basicamente são deputados do PL e, alguns, do centrão. Mas temendo as reações da sociedade, nossos representantes decidiram adiar “sine die” essa votação.

Nas palavras de Sóstenes Cavalcante, o poste de Silas Malafaia, os ‘covardes’ ganharam. Deputado neopentecostal, defensor das armas e autor do PL que criminaliza o aborto, ‘coragem’ seria aprovar a “PEC da blindagem” e enfrentar a “opinião pública”.

Cometer essa barbaridade e jogar a culpa no inominável é a cara da covardia e da falta de ética desses deputados. Em resumo, os deputados do PL estavam cuidando de si, como quase sempre. Melhor não contar isso ao povo.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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