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Vijay Prashad

Historiador, editor e jornalista indiano. Escritor e correspondente-chefe da Globetrotter. Editor da LeftWord Books e diretor do Tricontinental: Institute for Social Research.

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Os Estados Unidos usam uma acusação falsa de tráfico de drogas para um possível ataque à Venezuela

Governo estadunidense está desesperado para encontrar uma causa para a guerra

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, em Caracas (Foto: REUTERS/Leonardo Fernandez Viloria)

De repente, do nada, as agências governamentais dos Estados Unidos começaram a repetir o nome "Tren de Aragua" como se fosse a nova Al-Qaeda. Em janeiro de 2025, a Casa Branca designou o Tren de Aragua como uma "organização terrorista estrangeira" e, em março, o governo do presidente dos EUA, Donald Trump, evocou a Lei de Inimigos Estrangeiros (1789) para alertar contra a "invasão dos Estados Unidos pelo Tren de Aragua". O Departamento de Estado dos EUA, em fevereiro de 2025, declarou que o Tren de Aragua era um cartel internacional de drogas, comparável a cartéis já reconhecidos, como os mexicanos Las Zetas (agora Cártel del Noreste), Sinaloa e Jalisco, bem como a Mara Salvatrucha (MS-13), formada em Los Angeles (EUA) e que agora se enraizou em El Salvador graças a uma política de deportação estadunidense de uma década. Ao contrário do Tren de Aragua, esses outros cartéis são bem conhecidos, e seu trabalho tem sido frequentemente documentado pela Agência Antidrogas dos EUA (DEA).

O relatório mais recente da DEA para 2025 confirma vários fatos sobre os cartéis de drogas que traficam grandes quantidades de entorpecentes (de cocaína a fentanil) para os Estados Unidos. Ele contém longas seções sobre as gangues mexicanas e salvadorenhas, que têm raízes profundas no tráfico de drogas. Desde 2019, a DEA e outras agências rastreiam o movimento de drogas letais desde o transporte pelo Caribe e pela linha fixa da América Central até a rota do Oceano Pacífico. As drogas saem dos portos de Guayaquil (Peru), Esmeraldas (Equador) e Buenaventura (Colômbia) para portos como Puerto Escondido (México) antes de serem transportadas para o mercado dos EUA. Mais de 80% das drogas letais seguem ao longo desta costa do Pacífico, de acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas das Nações Unidas de 2025, enquanto apenas pouco mais de 10% atravessam o Mar do Caribe. Há muito tempo, a DEA avalia que a maioria das drogas que entram nos Estados Unidos vem dos Andes, da América Central e do México.

Então, o que o Tren de Aragua tem a ver com tudo isso, já que é uma gangue prisional criada dentro da prisão de Tocorón, no centro da Venezuela (a cerca de 150 quilômetros de Caracas)? A gangue foi criada em 2012 por Héctor Rushtenford "Niño" Guerrero Flores (um criminoso condenado que escapou da prisão em 2023 e não foi visto desde então). A gangue de Niño Guerrero, Tren de Aragua, é acusada de se aproveitar da migração para fora da Venezuela para construir sua rede nos Estados Unidos e em outros lugares da América Latina e expandir suas oportunidades de tráfico por meio dessa rede migratória. No entanto, é mais do que provável que a rede real não exista, mas que ex-membros do Tren de Aragua se consolidaram como nós para atividades criminosas em diferentes lugares. Guerrero é procurado na Venezuela e tem um alerta de migração do Chile, onde acredita-se que tenha se refugiado entre o meio milhão de venezuelanos neste país do Cone Sul. O governo dos Estados Unidos tem como alvo o Tren de Aragua e Guerrero, oferecendo uma recompensa de US$ 12 milhões por sua prisão. Mas Guerrero não foi encontrado.

Um cartel fabricado

Como o governo dos Estados Unidos passa de uma preocupação legítima com a entrada de drogas no país para o envio de sete navios de guerra estadunidenses e um submarino nuclear para cercar a Venezuela em uma "operação reforçada de combate às drogas"? Como esses navios de guerra, que estão localizados próximos à fronteira marítima venezuelana, farão algo para capturar Guerrero, deter o Tren de Aragua ou impedir que os cartéis transportem drogas para os Estados Unidos? Guerrero provavelmente não está na Venezuela; sua gangue opera na América Latina e nos Estados Unidos, e a maior parte das drogas é transportada pelo Oceano Pacífico e não pelo Mar do Caribe. Então, o que esses navios de guerra estão fazendo na costa da Venezuela, mesmo com os EUA afirmando que eles estão em uma "missão anticartel"?

Em abril de 2025, os Estados Unidos aumentaram sua recompensa pela prisão do presidente venezuelano Nicolás Maduro Moros de US$ 25 milhões para US$ 50 milhões. A razão dada para esse aumento é que os EUA acusam Maduro de ser o líder do Cartel dos Sóis (Cartel de los Soles). O termo Cartel dos Sóis foi usado pela primeira vez em 1993 para descrever a atividade de alguns oficiais militares de alta patente e agentes antinarcóticos no tráfico de drogas. Isso foi muito antes da entrada de Hugo Chávez no palácio presidencial em 1999. O termo foi usado por causa do símbolo solar nos uniformes de oficiais de alta patente do exército venezuelano.

Não havia um cartel propriamente dito. Após a morte do presidente venezuelano Hugo Chávez, em 2013, vários jornalistas venezuelanos exilados escreveram livros retomando a observação de Marcano sobre os "sóis", mas agora argumentando que havia um cartel organizado e não apenas alguns oficiais corruptos. Entre esses livros, destacam-se Chavismo, Narcotráfico y Militares (2014), de Héctor Landaeta, e Bumerán Chávez: Los fraudes que llevaron al colapso de Venezuela (2015), de Emili J. Blasco. Mas Landaeta disse ao Miami Herald em 2015 que "o Cartel de los Soles é mais um fenômeno do que um grupo organizado". No entanto, em julho de 2025, o Departamento do Tesouro dos EUA designou o grupo como "Terrorista Global Especialmente Designado". Entre a admissão de Landaeta em 2015 e o presente, houve quase silêncio nos documentos públicos dos EUA sobre o Cartel de los Soles (embora o uso de uma falsa acusação de tráfico de drogas contra Maduro tenha sido usado por Trump em 2020). Não há qualquer indício de conexão entre este "cartel" e o Tren de Aragua, que é um termo mais amplo e nada parecido com os principais cartéis colombianos e mexicanos, que têm linhas verticais de organização.

O enorme aumento da presença militar ao longo da costa venezuelana, o aumento da recompensa pela prisão de Maduro e a acusação de que o governo venezuelano está ligado ao Tren de Aragua fornecem a base para uma intervenção militar clássica contra a Venezuela em nome da Guerra às Drogas. A ideia do Cartel de los Soles está operando como as Armas de Destruição em Massa no Iraque em 2002-03, com o governo estadunidense desesperado para encontrar o casus belli (causa para a guerra) que, de outra forma, simplesmente não existe.

Tradução de Rubens Turkienicz

Artigo originalmente publicado por Globetrotter em 01.09.25 

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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