Oportunidades políticas
O presidente Lula não deveria perder a chance de demonstrar ao povo que tem compromisso com os moradores de favela
Antes de qualquer coisa, sim, não há dúvidas: o que ocorreu na semana passada foi uma matança planejada e indiscriminada, mais uma vez em território de favela, no Rio de Janeiro. Em todo o Brasil é assim que acontece. O que muda é a quantidade de pessoas mortas de uma chacina para outra. Via de regra, gente preta é torturada e morre de forma vil desde que Martim Afonso de Sousa trouxe à Pindorama os primeiros escravizados da África.
Isso posto, tal complexidade do acontecimento não pode limitar as ações do presidente Lula. Chegou o momento de agir. Somente com a assinatura de uma lei contra as facções criminosas o problema não será resolvido. É necessário pôr um ponto final no descalabro que há anos ocorre quando a polícia sobe o morro. A primeira pergunta que surge é: como fazer? Vamos à resposta.
O presidente deve usar o poder que o Estado lhe confere. Lula deveria ter tomado como primeira decisão decretar intervenção federal no Rio de Janeiro, ao menos na área da Segurança Pública. Afastar Cláudio Castro, bolsonarista empedernido, do cargo de governador é fundamental para que haja qualquer avanço social no estado. O nome mais acertado para substituí-lo como interventor é Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça e Segurança Pública.
Há certo burburinho em torno da queda de popularidade do presidente Lula, e a extrema direita supostamente ganhou dividendos políticos com os assassinatos. Mesmo que isso seja verdade, o declínio eleitoral é irrelevante — o presidente não deve se pautar por esse viés, mas pela vida, isso sim.
O segundo passo a ser tomado é formar um comitê de emergência do governo com apoio do Supremo Tribunal Federal (STF), pois qualquer medida para modernizar o país, hoje, somente acontecerá com o respaldo — mesmo que tácito — de ministros como Flávio Dino, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, com os quais Lula tem bom trânsito.
Tal ação de intervenção ainda é possível e necessária. Quanto ao custeio, que seria questionado pela extrema direita no Congresso e pela grande imprensa, a resposta do governo deve ser: o fundamental é salvar vidas, como ocorreu diante da tragédia climática no Rio Grande do Sul. O governo Lula precisa ter posição firme neste momento.
Mais: o presidente Lula deve ordenar de forma categórica às Forças Armadas que protejam com rigor absoluto as fronteiras do Brasil e do estado do Rio de Janeiro. Tamanha medida é urgente para que o comércio internacional de drogas cesse e os traficantes sejam detidos ao tentar escapar do cerco.
E, por fim, é preciso investir pesadamente na implantação de serviços públicos dentro das favelas: urbanização irrestrita; o Sistema Único de Saúde (SUS), com seus equipamentos e ferramentas de promoção do bem-estar, deve estar presente em cada esquina; e creches devem ser construídas em quantidade suficiente para que nenhuma criança fique sem seu espaço de aprendizado.
Com a federalização, as experiências educacionais mais antigas devem ser observadas com atenção. Os Centros Educacionais Unificados (CEUs), de São Paulo, e os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), idealizados por Darcy Ribeiro e Leonel Brizola, precisam ser construídos em todas as favelas do país em ritmo acelerado. Em outras palavras, os espaços de educação formal devem estar ao alcance de todos os favelados.
É necessário enxergar esse processo em sua totalidade. Tudo o que for possível fazer para que o Brasil mude deve ser realizado. Evidentemente, todas essas ações devem ser desenvolvidas com apoio direto da Polícia Federal, que ainda é confiável.
Por outro lado, a dissolução da Polícia Militar em todo o Brasil — especialmente a carioca — precisa ocorrer nesse curso, apesar de ser uma instituição prevista na Constituição. Seus integrantes, especialmente aqueles que participaram do massacre no Rio de Janeiro, deveriam ser desarmados imediatamente e investigados compulsoriamente pela PF.
A construção de uma força policial civil, republicana e nacionalista é necessária. O presidente Lula precisa dar a dimensão correta ao problema e enfrentar o racismo estrutural que conduz o Brasil e que, obviamente, está presente nesses casos. É importante lembrar, em todas as análises, que a extrema direita não tem limites — e, se o governo Lula nada fizer, outras chacinas do tipo voltarão a acontecer.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
