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Dafne Ashton

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Obrigada Michel Misse: entre a saudade do IFCS e a permanência de um pensamento necessário

Michel não era apenas mais um professor; era um intelectual que recusava a torre de marfim

Michel Misse (Foto: Reprodução/YouTube/Ciências Sociais PUC Minas)

Era início da década de 1990, e o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ pulsava com a energia de quem acreditava que as ideias podiam mudar o mundo. Nas salas do terceiro andar, entre carteiras riscadas por gerações de estudantes e paredes que guardavam os ecos de tantos debates, Michel Misse nos apresentava Gilles Deleuze como quem desdobra um mapa de possibilidades. Lembro-me do seu sorriso irônico, das piadas que quebravam a seriedade excessiva das teorias sem perder sua profundidade. Ele tinha o dom raro de fazer a crítica social parecer uma conversa de bar — vibrante, acessível, mas nunca simplista.

Michel não era apenas mais um professor; era um intelectual que recusava a torre de marfim. Seus estudos sobre o "mercado ilegal da violência" e a criminalidade urbana não eram exercícios acadêmicos distantes — eram ferramentas para decifrar o Brasil real, aquele que doía na carne das periferias e nas estatísticas dos jornais. Ele nos ensinou que a sociologia, quando feita com rigor e ousadia, podia ser tanto arma quanto abrigo.

Hoje, ao saber de sua partida, a saudade que sinto é dupla: dele, claro, mas também daquele IFCS que habitou nossos anos de formação. Dos corredores onde se discutia Foucault entre um café e outro, das apostilas de xerox que circulavam como tesouros, daquela turma inquieta que ele ajudou a moldar. Michel fazia a teoria respirar. Nas suas aulas, conceitos abstratos ganhavam pernas e badalavam pelo Largo de São Francisco, subiam os morros. Ele nos mostrou que pensar era um ato político — e que rir, muitas vezes, era a melhor forma de resistir.

Seu legado não cabe apenas em citações de teses ou em referências bibliográficas. Está em cada ex-aluno que, como eu, carrega um pouco da sua maneira de enxergar o mundo: sem medo de complexidade, mas também sem perder a leveza. Está nas políticas públicas que seu trabalho influenciou, nas pesquisas que seguiram suas pistas, nas salas de aula onde seu nome ainda é dito com respeito.

Obrigada, Michel, por ter sido um daqueles professores raros que transformavam o conhecimento em algo vivo — às vezes incômodo, sempre necessário. O IFCS dos anos 1990 agora é memória, e muitos de nós, seus alunos, seguimos por caminhos que ele ajudou a desenhar. Mas o essencial permanece: a certeza de que a sociologia não é um luxo, e sim um instrumento para escavar verdades.

Até sempre, professor. Num país onde a violência e a injustiça ainda desafiam a inteligência coletiva, seu pensamento segue sendo farol.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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