Ricardo Nêggo Tom avatar

Ricardo Nêggo Tom

Músico, graduando em jornalismo, locutor, roteirista, produtor e apresentador dos programas "Um Tom de resistência", "30 Minutos" e "22 Horas", na TV 247, e colunista do Brasil 247

281 artigos

HOME > blog

O soco na cara do preconceito e o golaço contra o racismo no futebol

Os racistas cordiais da “Igreja Passapanista dos 4 Séculos de Escravidão”, condenarão a reação do oprimido e não a violência do opressor

Zagueiro do Nacional denunciou injúria racial e reagiu com agressão; FPF divulgou nota de repúdio (Foto: Reprodução / FPF TV)

Um domingo ensolarado como este que fez hoje aqui no Rio de Janeiro, sempre nos proporciona bons momentos. Momentos iguais ao do jogo entre Batel X Nacional pela Taça FPF, em Guarapuava, no Paraná, onde o zagueiro Paulo Vítor do Nacional foi chamado de "macaco" pelo volante Diego do Batel, e reagiu com um soco na cara de pau branca e racista do jogador adversário. Um GOLAÇO contra o racismo, que mereceria uma placa no estádio em sua homenagem. Na voz do garotinho José Carlos Araújo, teria sido um “golão, golão, golão”. Na locução do saudoso Jorge Curi, um “golaço, aço, aço” que o também saudoso comentarista de arbitragem Mário Viana, ao ser questionado sobre a sua legitimidade diria: “Gool, legal”. O inesquecível Januário de Oliveira narraria o lance com o seu “tá lá o corpo do racista estendido no chão”, enquanto o genial Silvio Luiz exclamava: “pelas barbas do profeta!”, e anunciaria que o autor do gol de placa “foi, foi, foi, foi, foi, foi, foi ele, o craque da camisa 4”

E antes que eu seja acusado de estimular a violência (O que seria muita cara de pau - e provavelmente branca - de quem se propusesse a passar tal vergonha), evoco o saudoso Malcolm X, que já nos alertara para não confundirmos a reação do oprimido com a violência do opressor. Algo que uma sociedade racializada, quando não faz por tendência, costuma fazer por hipocrisia. "A violência não leva a nada", dirão os racistas cordiais e os postulantes a monges da Igreja Passapanista dos 4 séculos de Escravidão. E eu vos digo, em verdade, que a violência racial é um dos sustentáculos do capitalismo e da opressão social no Brasil e no mundo. E mais uma vez recorro ao “violento” Malcolm X - o terror dos racistas estadunidenses - que nos avisou que "não existe capitalismo sem racismo". E quem ainda discorda, pisa feio na bola e faz um gol contra o combate ao racismo e ao preconceito.


O futebol, a cada minuto de acréscimo, se torna mais racista, capitalista e reacionário, o que torna vital reações mais extremadas como a de Paulo Vítor para, no mínimo, tentar coibir o avanço do fascismo dentro das quatro linhas, uma vez que fora dela parece não haver mais salvação. Me perdoem os caríssimos leitores desta coluna, mas eu não sinto vontade, nem obrigação de ser mais dialético do que já fui até o momento neste texto. Isto porque o racismo tem um quê de irracionalidade que, por vezes, inviabiliza elucubrações a respeito do tema, dado a primitividade do ato expresso. O caso aqui relatado é um exemplo. Àqueles que ainda insistirem na lorota de que a reação do nosso “Pantera Negra de Guarapuava” não foi a mais adequada, que comprem o livro da Djamila Ribeiro (a qual respeito muito) e tentem educar o volante racista com um manual de bons modos raciais. Vai dar certo! Mesmo a história mostrando que os oprimidos jamais conseguiram se livrar da opressão implorando por misericórdia aos seus opressores. Imagine tentando educá-los....

O ex-goleiro Aranha foi cancelado no meio do futebol apenas por denunciar o racismo sofrido, sem dar um soco em ninguém. Até Pelé reprovou o seu posicionamento. Digo isto para “desenhar” que não importa a forma como um preto ou preta reagem ao racismo sofrido. Alguém sempre estará disposto a julgar negativamente o seu direito sagrado à reação. Malcolm X era tido como o preto agressivo e separatista, e Martin Luther King era o preto pacífico que tinha o sonho de conviver em harmonia com os brancos. Ambos foram mortos com a mesma violência porque o problema não é o formato, mas o conteúdo apresentado: A luta contra o racismo. Mais uma prova disso, é que o zagueiro Paulo Vítor foi expulso pelo árbitro por sua reação, e o seu agressor racista teria sido levado ao hospital como vítima de agressão. O jurista Luiz Gama preconizou “que todo escravo que mata o senhor age em legítima defesa”, afirmação que nos permite admitir que toda reação ao racismo (crime) sofrido também se dá em legítima defesa. Condenar tal reação, é negar o crime que foi cometido.

Sobre a negação do racismo na sociedade brasileira, lembro de uma fala do ex-ministro Silvio Almeida, na qual ele diz que “a negação é essencial para a continuidade do racismo. Ele só consegue funcionar e se reproduzir sem embaraço quando é negado, naturalizado, incorporado ao nosso cotidiano como algo normal. Não sendo o racismo reconhecido, é como se o problema não existisse e nenhuma mudança fosse necessária. A tomada de consciência, portanto, é um ponto de partida fundamental.” Isto posto, podemos considerar, do ponto de vista acadêmico e didático, que o soco de Paulo Vitor em Diego funciona como uma “tomada de consciência”, ou um novo ponto de partida fundamental para que o problema não siga sendo negado e, pior do que isto, naturalizado. Quando um preto(a) não reage à violência racial sofrida, ele fortalece a lógica da negação do racismo sob o viés da subjetividade, permitindo que o racista aponte o preto que reage como vitimista, “mimizento”, ou reforce o estereótipo do preto violento, uma vez que outros pretos não reagem da mesma forma diante da mesma agressão.

Observando atentamente ao lance do jogo, verifiquei que o primeiro jogador a acudir o racista nocauteado foi um companheiro negro do seu próprio time. (Era você, Fernando Holiday?) Aqui temos um recorte do comportamento que uma sociedade racista tenta disseminar entre os negros, como negação da existência do racismo dentro dela. Por que o companheiro de time se solidarizou com a ideia de grupo instituída pelo sistema e não com a ideia de grupo a partir de sua identidade étnica? Aqui proponho uma reflexão sobre as críticas ao que muitos progressistas consideram como “identitarismo” Vocês acusariam o jogador do Batel que foi socorrer seu companheiro racista de ser “identitário”, caso ele fosse solidário ao jogador adversário que é preto como ele? Vocês diriam que ele estava se esquecendo que a luta é de classe – neste caso, a disputa entre os dois times pela vitória – e não por respeito à sua existência étnico-racial? Diriam que ele estava provocando uma divisão no seu time por colocar a sua cor em primeiro lugar? É apenas uma reflexão, ok?

Em suma, se você é contra a violência, seja contra o racismo. Não relativize um crime que há séculos mata seres humanos na alma, julgando a reação daqueles que morrem diariamente vítimas desse preconceito. Quanto ao nosso herói de Guarapuava, providenciaremos a sua estátua em Wakanda, como o divisor de águas no combate ao preconceito racial. O racismo no futebol agora se divide em antes e depois de Paulo Vítor, o zagueiro evangelizador que veio trazer a boa nova do cruzado de direita e libertar os pretos da opressão racial, e da obrigação de não reagirem para não serem considerados selvagens, violentos e perigosos. A ele toda honra e toda glória, agora e sempre. Amém!

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

Artigos Relacionados

Carregando anúncios...