O revolucionário papado de Francisco
Ele foi o primeiro sul-americano a liderar a mais importante instituição cristã e conseguiu levá-la a modernidade
O papa Francisco morreu. E, agora, surgem questões fundamentais sobre o futuro da igreja e do mundo, pois o pontífice fez as relações humanas melhorarem, sem dúvida. Primeiro, o que esperar da igreja católica? Resposta: que os avanços eclesiásticos que reverberaram globalmente não sejam perdidos. Segundo, a igreja católica está preparada para manter tais avanços? A resposta está no final deste artigo. E quais foram os aperfeiçoamentos promovidos por Jorge Mario Bergoglio? Vamos a eles:
Após a Reforma Protestante, a igreja católica teve de reafirmar os seus valores e dogmas, sem debater o assunto especificamente, mas é possível afirmar que o papa Francisco fez alterações grandiosas e necessárias como naquele tempo, durante os seus doze anos à frente da instituição. Ele a trouxe para o século XXI ao desenvolver processos no seio do clero que proporcionaram olhar diferente ao cotidiano do catolicismo. O trabalho desenvolvido por freiras, madres e irmãs, por exemplo, passaram a ter mais importância, quase chegou-se a permissão de elas serem alçadas ao comando de paróquias. A cúria e o banco do Vaticano também mudaram. Francisco criou um grupo para analisar o funcionamento de ambos e destituiu muitas pessoas e recriminou a corrupção. Ainda dentro da igreja, ele impôs nova forma de tratar a comunidade LGBTQIAP+, sem bênção matrimonial, mas com acolhimento. Tais ações seriam impensáveis em outros papados. Pode-se dizer que essa comunidade foi historicamente “afastada” da igreja e, com Francisco, passou a ter, praticamente, o mesmo tratamento que pessoas divorciadas tem. Agora, o que Francisco fez do lado de fora da Basílica de São Pedro?
Muito bem. Como papa é papa e igreja é igreja, tudo que Francisco criou foi em virtude dos dogmas católicos. Mas tais ensinamentos com Jorge Mario Bergoglio tiveram de funcionar conjuntamente a sua visão latino-americana. Ele colocou sobre o mundo o olhar de quem viu de perto a destruição sórdida realizada pelas ditaduras militares nos países abaixo da Linha do Equador. Então, o papa elevou o status de padres e bispos em nações periféricas, entre elas, o Brasil, onde fez nomeações de cardeais vinculados às pautas que ele defendeu. Francisco, o estadista, se posicionou politicamente diversas vezes, o que fez muito bem. Tal atitude deu direção aos fiéis e colocou a grande imprensa para pensar, mesmo a contragosto. Ele não visitou a Argentina, sua Terra natal, enquanto Maurício Macri foi presidente. Fez coisa parecida agora com Javier Milei e também no Brasil durante os anos do inominável. Veja que essa ação transmite o pensamento do papa sobre líderes de extrema direita e delimita espaços. Francisco entendia que não deveria apertar as mãos dessa gente. Ele ficou a favor dos palestinos, povo massacrado há anos pelo sionismo. E não parou por aí. Entre linhas, Francisco sempre passava a mensagem. Ele fez cara de poucos amigos ao posar para foto com Donald Trump, ainda no primeiro mandato do republicano. Trump é a divisão por muros e expulsão de pessoas dos Estados Unidos. O papa Francisco queria união e diálogo e comiseração. Ele abençoou Lula, presidente do Brasil, com um terço em um dos momentos mais difíceis da vida de Lula, durante a sua prisão devido à malfadada Operação Lava-Jato. O papa Francisco esteve junto e preocupado com um dos maiores líderes políticos de todos os tempos, Fidel Castro.
Desde os anos 1990, o Brasil e o mundo sabem que o papa é pop, mas Francisco o foi muito mais que Karol Wojtyla e outros. O argentino era um comunicador nato. Quando se colocava no púlpito todos paravam para ouvi-lo e nesse ritmo concedeu inúmeras entrevistas e foi muito fotografado. Saiu em capas de revistas, jornais e em destaque em portais grandes, médios e pequenos diversas vezes. Para além dos holofotes, o papa Francisco manteve intacta sua fé e vocação. Ele abençoou sob lentes de leicas, nikons, iphones, samsungs e afins, famosos e anônimos no Vaticano. Bergoglio entendia que era alvo querido da extrema direita política e dos reacionários do clero. Mas ele não tinha medo, colocou o capitalismo em cheque muitas vezes, denunciou energicamente o sistema político econômico em que vivemos, destrutivo à mãe natureza e, por conseguinte, à humanidade. Ele queria as portas da igreja católica abertas sempre, sem segredos e com todos os temas fundamentais em discussão permanente. Francisco realizou muitas vezes as suas refeições no bandejão do Vaticano, perto do povo de Roma. Dizem, a boca pequena, que havia duas razões para que sua Santidade optasse por essa ação: a primeira, que ele gostava do contato próximo com as pessoas que fazem o dia a dia do Vaticano. A segunda, que se houvesse um atentado contra sua vida, seria difícil acertar a bandeja divina. Um jesuíta ter escolhido o nome de Francisco, em alusão a São Francisco de Assis, para exercer o seu papado é querer estar junto ao povo que mais precisa de cuidados. Isso tem a ver, acredito, com o fato de ter sido padre latino-americano e reconhecer a importância histórica da Teologia da Libertação em sua região. Esse reconhecimento está presente na obra do papa Francisco.
Bergoglio marcou época também por fazer algo que seus antecessores jamais fizeram: reconhecer e desculpar-se publicamente a respeito dos graves abusos sexuais cometidos por integrantes da igreja católica contra crianças e jovens. O papa, nesse sentido, delimitou efusivamente os espaços. Afirmou algo assim algumas vezes “tal monstruosidade não pode acontecer e não pode ser encoberta”. Ele demonstrou humildade que dificilmente líderes religiosos demonstram e teve ouvidos para escutar poucas e boas sobre o assunto quando esteve no Chile e na Irlanda. O papa argentino também aceitou as críticas em torno da colonização dos países latino-americanos por europeus e a atuação da igreja católica que cometera graves agressões sem sangue (epistemicídio) contra os povos originários naquele período.
É inegável a relevância do papa Francisco em diversas áreas da vida, dentro e fora da igreja católica. Ele se envolveu nos casos e eventos mais importantes no tempo em que esteve vivo. Francisco fez tudo com sensibilidade, alegria e bom humor invejáveis, o seu legado internacional é gigante e enriqueceu a humanidade. O futuro da igreja, como prometido, deve ser obrigatoriamente o de seguir os seus ensinamentos, mas ela não estava pronta para Francisco e se assustou. A tendência é o retorno ao conservadorismo.
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