O Rastro do Dragão do Mar: Da Luta Abolicionista do Ceará à Flotilha Global Sumud
Luizianne representa cada cearense que acredita que a vida deve sempre vencer a barbárie. Sua ida a Gaza nos lembra que, mesmo diante da guerra, há esperança
Eu, como boa cearense que sou, carrego um sentimento quase megalomaníaco de exaltar os feitos dos meus conterrâneos. Qualquer coisinha já é motivo para dizer: “lá no Ceará é assim, é assado”. Tem quem se irrite, há quem diga que meu bairrismo chega a ser patológico. Mas, venhamos e convenhamos: o que dizer da terra do vento forte, da jangada valente, de um povo que não abaixa a cabeça e ainda encontra espaço para frescar até nos momentos mais difíceis?
O Ceará é também a terra de mulheres guerreiras, que desde sempre enfrentam a injustiça de peito aberto e carregam consigo a coragem de mudar o mundo. Foi assim com Bárbara de Alencar, que no início do século XIX ousou desafiar o Império e se tornou uma das primeiras presas políticas do Brasil. Foi assim com Maria Tomásia, Francisca Clotilde, Emília de Freitas, Tia Simoa e com tantas mulheres anônimas que, lado a lado com os jangadeiros, ajudaram a fazer do Ceará a primeira província do país a abolir a escravidão, em 1884. Foi assim também com Maria da Penha, que transformou sua dor em luta e hoje dá nome à lei que protege milhões de brasileiras.
É dessa terra, desse povo, feito de coragem e resistência, que vem Luizianne Lins — mulher, cearense, deputada federal, ex-prefeita de Fortaleza. Sempre conhecida pela firmeza com que defende a justiça social, a dignidade humana e os mais vulneráveis, Luizianne agora se lança ao mar, integrando a Global Sumud Flotilla, em mais uma tentativa de levar ajuda humanitária à Faixa de Gaza. Ela escreve, assim, mais uma página dessa história de lutas que já atravessa séculos.
Não se trata de uma viagem comum. Não é apenas um ato político. É um gesto de humanidade. Nas palavras da própria Luizianne: “É uma questão civilizatória, humanitária, um marco moral para este momento da humanidade.” Ela vai porque acredita na vida. Vai porque não suporta ver a dor e se calar. Vai porque sabe que a solidariedade não conhece fronteiras.
Agora, a esperança volta a se lançar ao mar. Dessa vez vai dar certo. Tem que dar certo. Nada de esmorecer: vamos conseguir ajudar o povo palestino. Luizianne não vai sozinha — carrega consigo a voz de um povo inteiro que sempre se levantou pelos direitos humanos e pela paz. Vai levando, com ela, cada jangada que um dia partiu do Mucuripe, cada vento que soprou do sertão, cada lágrima de sertanejo que sonhou com a chuva e com um futuro melhor.
Esse mesmo mar, que já testemunhou tantas batalhas, será outra vez caminho de resistência. É impossível não lembrar do nosso eterno Dragão do Mar, Francisco José do Nascimento, que, em 1881, se recusou a transportar escravizados nos navios negreiros que partiam de Fortaleza. Ao lado dos jangadeiros e de tantas mulheres que apoiaram a causa, ele disse “não” à opressão e desafiou os poderosos da época. Graças àquela coragem, o Ceará se tornou símbolo de liberdade. A Terra da Luz continua iluminando caminhos.
Luizianne representa cada cearense que acredita que a vida deve sempre vencer a barbárie. Sua ida a Gaza nos lembra que, mesmo diante da guerra, ainda há esperança. Porque nenhuma criança merece nascer sob bombas, nenhuma mãe deveria enterrar seus filhos por causa da intolerância, e nenhum povo pode ser condenado ao esquecimento. Por uma Palestina livre!
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.