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Paola Jochimsen

Paola Jochimsen é doutoranda em Filosofia pela Universidade de Coimbra, Mestre em Romanistik pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg (Alemanha). Membro do Coletivo Brasil-Alemanha pela Democracia.

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O Rastro do Dragão do Mar: Da Luta Abolicionista do Ceará à Flotilha Global Sumud

Luizianne representa cada cearense que acredita que a vida deve sempre vencer a barbárie. Sua ida a Gaza nos lembra que, mesmo diante da guerra, há esperança

Deputada federal Luizianne Lins (Foto: Vinícius Loures/Câmara dos Deputados)

Eu, como boa cearense que sou, carrego um sentimento quase megalomaníaco de exaltar os feitos dos meus conterrâneos. Qualquer coisinha já é motivo para dizer: “lá no Ceará é assim, é assado”. Tem quem se irrite, há quem diga que meu bairrismo chega a ser patológico. Mas, venhamos e convenhamos: o que dizer da terra do vento forte, da jangada valente, de um povo que não abaixa a cabeça e ainda encontra espaço para frescar até nos momentos mais difíceis?

O Ceará é também a terra de mulheres guerreiras, que desde sempre enfrentam a injustiça de peito aberto e carregam consigo a coragem de mudar o mundo. Foi assim com Bárbara de Alencar, que no início do século XIX ousou desafiar o Império e se tornou uma das primeiras presas políticas do Brasil. Foi assim com Maria Tomásia, Francisca Clotilde, Emília de Freitas, Tia Simoa e com tantas mulheres anônimas que, lado a lado com os jangadeiros, ajudaram a fazer do Ceará a primeira província do país a abolir a escravidão, em 1884. Foi assim também com Maria da Penha, que transformou sua dor em luta e hoje dá nome à lei que protege milhões de brasileiras.

É dessa terra, desse povo, feito de coragem e resistência, que vem Luizianne Lins — mulher, cearense, deputada federal, ex-prefeita de Fortaleza. Sempre conhecida pela firmeza com que defende a justiça social, a dignidade humana e os mais vulneráveis, Luizianne agora se lança ao mar, integrando a Global Sumud Flotilla, em mais uma tentativa de levar ajuda humanitária à Faixa de Gaza. Ela escreve, assim, mais uma página dessa história de lutas que já atravessa séculos.

Não se trata de uma viagem comum. Não é apenas um ato político. É um gesto de humanidade. Nas palavras da própria Luizianne: “É uma questão civilizatória, humanitária, um marco moral para este momento da humanidade.” Ela vai porque acredita na vida. Vai porque não suporta ver a dor e se calar. Vai porque sabe que a solidariedade não conhece fronteiras.

Agora, a esperança volta a se lançar ao mar. Dessa vez vai dar certo. Tem que dar certo. Nada de esmorecer: vamos conseguir ajudar o povo palestino. Luizianne não vai sozinha — carrega consigo a voz de um povo inteiro que sempre se levantou pelos direitos humanos e pela paz. Vai levando, com ela, cada jangada que um dia partiu do Mucuripe, cada vento que soprou do sertão, cada lágrima de sertanejo que sonhou com a chuva e com um futuro melhor.

Esse mesmo mar, que já testemunhou tantas batalhas, será outra vez caminho de resistência. É impossível não lembrar do nosso eterno Dragão do Mar, Francisco José do Nascimento, que, em 1881, se recusou a transportar escravizados nos navios negreiros que partiam de Fortaleza. Ao lado dos jangadeiros e de tantas mulheres que apoiaram a causa, ele disse “não” à opressão e desafiou os poderosos da época. Graças àquela coragem, o Ceará se tornou símbolo de liberdade. A Terra da Luz continua iluminando caminhos.

Luizianne representa cada cearense que acredita que a vida deve sempre vencer a barbárie. Sua ida a Gaza nos lembra que, mesmo diante da guerra, ainda há esperança. Porque nenhuma criança merece nascer sob bombas, nenhuma mãe deveria enterrar seus filhos por causa da intolerância, e nenhum povo pode ser condenado ao esquecimento. Por uma Palestina livre!

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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